O trabalho de conclusão do Curso de
História do conterrâneo caiense, companheiro de lutas sociais e professor Paulo
Daniel Spolier é sobre o advogado, banqueiro e politico Egydio Michaelsen.
Do intenso e aprofundado trabalho de
pesquisa um momento em particular me chamou mais a atenção. No ano que Michaelsen
elegeu-se prefeito da cidade foi outro acontecimento, ocorrido em fevereiro, que a história registrou com mais ênfase.
Getulio Vargas com Egydio Michaelsen no Caí |
Trabalho de Conclusão de Curso Para a
obtenção da Graduação de Licenciado em História Universidade do Vale do Rio dos
Sinos - Curso de História
Autor: PAULO DANIEL SPOLIER
Autor: PAULO DANIEL SPOLIER
'EGYDIO MICHAELSEN: ASCENSÃO E
CONSOLIDAÇÃO HEGEMÔNICA DAS “CLASSES CONSERVADORAS” EM SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ –
1935/1944'.
Orientadora: Professora Drª. Sirlei
Terezinha Gedoz
São Leopoldo 2005
Num dos capítulos de seu trabalho Paulo Spolier resgata esse episódio, ocorrido em fevereiro de 1935, em São Sebastião do Caí. Após uma manifestação integralista na cidade ocorre um violento confronto entre os camisas verdes e a Guarda Municipal da cidade que resulta em mortes e feridos. Apresento a transcrição do trabalho na parte que trata desse episódio:
O incidente com os integralistas
(O dia que a Guarda Municipal do Caí encarou os integralistas)
O ano
de 1935 foi um ano de grandes agitações na cidade de São Sebastião do Caí. No
dia 25 de fevereiro, domingo, organizada por grupos que provinham de São
Leopoldo, Novo Hamburgo e Caxias do Sul, aconteceu na cidade uma parada da Ação
Integralista Brasileira (AIB), com discursos e um desfile com marcha dos
camisas verdes pelas principais ruas da cidade.
O saldo desta passeata será sangrento: três mortos e onze feridos. Em matéria, - furo de reportagem da época, o Diário de Notícias de 26 de fevereiro de 1935 narra os acontecimentos particularmente violentos, em matéria feita in loco por seus repórteres, algo inusitado para a época, devido às dificuldades de comunicação então existentes.
O saldo desta passeata será sangrento: três mortos e onze feridos. Em matéria, - furo de reportagem da época, o Diário de Notícias de 26 de fevereiro de 1935 narra os acontecimentos particularmente violentos, em matéria feita in loco por seus repórteres, algo inusitado para a época, devido às dificuldades de comunicação então existentes.
Segundo
a matéria do jornal, os integralistas iniciaram suas movimentações na parte da
manhã, desfilando pela cidade e depois se concentrando na Praça João Pessoa
(hoje Praça Cônego Edvino Puhl), no centro da vila. De acordo com o depoimento
do então prefeito em exercício, Aluísio de Moraes Fortes (Athos, segundo
telegrama enviado ao Governo do Estado, estava em Torres), após encerrar as
atividades previstas, os integralistas espalharam-se pelas ruas centrais, soltando
impropérios aos populares.
Como era natural, a atitude dos 'camisas verdes‘
provocou logo um sentimento de revolta entre os populares, alguns dos quais
mostravam-se verdadeiramente indignados. Pouco depois das duas da tarde,
palestrava com dois integralistas graduados, procurando fazer-lhes ver que a
atitude de seus subordinados estava revoltando os populares, vi que junto a um dos
caminhões onde embarcavam os integralistas se iniciara o conflito (Diário de
Notícias, 26/02/1935, p. 05). Pedro Lino dos Santos, habitante da cidade e
ex-guarda municipal, que ocupava o posto de motorista da prefeitura, discutia
com um integralista, sendo seguro por um guarda municipal conhecido como - Marinho
-, na verdade Valdemar Fernandes Reis. Recuando cerca de quatro passos, o
integralista (não identificado) saca um revólver da cinta e dispara um tiro que
atinge a boca de Marinho, matando-o na hora. Segue-se, então, cerrado tiroteio,
que só irá ter fim com a intervenção do tenente Valdomiro Veledo de
Albuquerque, delegado da Junta de Alistamento Militar e
Comandante do Tiro de Guerra local, que, junto com alguns praças do Tiro,
consegue controlar a situação. O tenente Veledo conta, ainda, que depois de ter
rendido os integralistas, estes dispararam em correria, sendo seguidos pelos
guardas municipais, que atiravam à queima-roupa nestes.
Após a chegada de reforços oriundos do 8° Batalhão de Caçadores de São Leopoldo, finalmente a ordem foi restabelecida. O inventário do conflito foi de um integralista morto (José Luis Schroeder, de São Leopoldo, filho de Jacob Schroeder Junior, proprietário do Hotel Rio Branco), além de outros sete camisas verdes feridos.
Entre os guardas municipais, o saldo foi de dois mortos: Valdemar Fernandes do Reis (Marinho) e João Pedro Leite, ambos mortos à tiro; e dois feridos. Há ainda um terceiro ferido, baleado no peito quando tentava socorrer o Sr. Frederico Damian, de 67 anos.
Wolfran
Metzler, liderança integralista de Novo Hamburgo, que mais tarde viria ser
deputado estadual pelo Partido de Representação Popular (PRP), contou à
reportagem que José Luis Schroeder foi morto com um tiro no ouvido quando
tentava se refugiar em uma padaria numa das ruas adjacentes à praça (local onde
hoje fica a agência do Banco Bradesco de São Sebastião do Caí, na Rua Treze de
Maio, quase esquina com a atual Avenida Egydio Michaelsen).
* São
os integralistas feridos: César Mondim (bala no abdômen), Vicente Canalli filho
(ferido no joelho), Benjamin Custódio de Oliveira (ferido por coronhada na
cabeça), Arlindo Lehen (coronhada na cabeça), Frederico Damian (ferido à bala
no pé e com contusões por pontapés pelo corpo), Arlindo Leger (coronhada na
cabeça), Efrain Wagner (bala na cabeça). (Diário de Notícias, 26/02/1935, p.
05) Os guardas municipais feridos são:
Urbano Keller (bala no pulmão), Belarmino Lucas (bala na perna). O popular
ferido é Nelson Schemes (idem).
Procurado pela redação do Diário de Notícias, o chefe integralista do Rio Grande do Sul, Sr. Dario Bittencourt apresentou aos entrevistadores uma edição do jornal O Integralista de 10 de fevereiro de 1935, isto é, quinze dias antes do ocorrido, que acusa o governo municipal de São Sebastião do Caí sobre o tratamento que vinha dando aos integralistas daquela cidade. Transcrevo a última parte do artigo de O Integralista, citado no Diário de Notícias: "O prefeito municipal de São Sebastião do Caí é o bacharel Athos de Moraes Fortes. A ele é confiada a ordem e a liberdade que os camisas verdes do município podem exigir em face da Constituição. Por isso, os camisas verdes do Rio Grande do Sul responsabilizam o Sr. Athos de Moraes Fortes por qualquer violência que se pratique no município que dirige (Diário de Notícias, 26/02/1935, p. 16).
Em telegrama endereçado ao governador do Estado, o prefeito Athos de Moraes Fortes narra os acontecimentos, mesmo assumindo que não se encontrava na cidade naquele dia, afirmando que quase todos os integralistas compareceram armados, trazendo copiosa munição e pelo número de mortos e feridos de nossa parte, V. Exa. Poderá avaliar os intuitos subversivos desses pretendidos regeneradores‖ (Diário de notícias, 26/02/1935, p. 16). O jornal oficial ―A Federação, em seu editorial, afirma que os camisas verdes, entre nós, acabam de lavrar sua sentença de morte, reproduzindo o dito telegrama do prefeito de Caí ao governador do Estado, que, por sinal, foi editado pela redação do jornal, excluindo a parte em que Athos de Moraes Fortes conta que estava em Torres na hora do ocorrido (A Federação, 27/02/1935, capa).
* A imprensa de língua alemã do Rio Grande do Sul, segundo pesquisa de René Ernani Gertz dividiu-se entre críticos abertos da ação dos integralistas e aqueles que se mantiveram isentos dos fatos, não sendo, em última análise, desfavoráveis aos camisas verdes. O Deutches Volksblatt faz parte do segundo grupo, referindo-se ao terrível tiroteio, reproduzindo a posição do prefeito local e acentuando que, naturalmente, os integralistas defendem ponto de vista oposto. O Kolonie, de Santa Cruz do Sul, faz parte do primeiro grupo, questionando o fato de que é incompreensível ir a um encontro de propaganda armado, além de colocar como uma das causas dos atritos a homossexualidade de um dos líderes da AIB de São Sebastião do Caí (GERTZ, 1980, p. 224 e 225)
O que se pode depreender comparando as diversas versões do ocorrido é que o conflito que houve na tarde do domingo, 25 de fevereiro de 1935, na sede do município de São Sebastião do Caí, entre integralistas e integrantes da guarda municipal, foi o desfecho de um processo de atritos seqüenciais que já vinham sendo noticiados há alguns dias (vide o texto do jornal integralista) entre o governo municipal e os líderes da AIB na cidade. O fato de haverem os integralistas se dirigido ao dito comício armados revela uma intencionalidade de causar, no mínimo, constrangimento aos que lhes observavam pelas ruas da cidade.
A atitude de Pedro Lino dos Santos, funcionário da prefeitura, discutindo com os camisas verdes (precisando ser seguro pelo guarda Marinho) mostra igualmente o grau de estremecimento que se encontravam as relações entre o setor público municipal, influenciado pelos seus dirigentes, e a Ação Integralista Brasileira. Há, como comprova a matéria do periódico integralista, uma animosidade explícita entre os dois grupos que irão se enfrentar em praça pública. O desfecho não poderia ser diferente, vide o caráter militarizado e belicista dos integralistas e o perfil coronelista dos dirigentes da cidade.
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