Em documentário, diretor brasileiro resgata atrocidades cometidas no âmbito da aliança entre países do Cone Sul -
Por Marsílea Gombata —
publicado 22/08/2016 04h58, última modificação 22/08/2016 10h15
Desvendar a aliança entre países do Cone Sul que, com apoio logístico e financeiro dos Estados Unidos, perseguiram, torturaram e
mataram militantes de esquerda contrários aos regimes militares desses
países é uma tarefa necessária para contar a história do continente. Não
apenas para mostrar a confluência ideológica entre vizinhos, mas a
maneira como a tomada de decisões – a exemplo da tortura pelas mãos do
Estado – foram orientadas pelo governo americano.

Foi na tentativa de resgatar evidências e
a complexidade da aliança que o cineasta Cleonildo Cruz viajou para
Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Chile e Bolívia, onde pesquisou à
exaustão documentos e realizou entrevistas com sobreviventes e parentes
das vítimas. O resultado foi o filme Operação Condor – Verdade
inconclusa, primeiro documentário a percorrer todos os países que
compactuaram com os EUA.
Apesar de elogiar a Comissão Nacional da
Verdade brasileira, Cruz observa em entrevista a CartaCapital que o
Brasil ainda tem muito a esclarecer sobre a aliança, que simbolizou a
atuação dos EUA por trás das ditaduras latino-americanas.
Cruz considera que estamos atrasados em
relação aos nossos vizinhos no que diz respeito à responsabilização dos
algozes do Estado. Repassar o passado, para ele, é o primeiro passo para
compreender o presente e não repetir violações no futuro.
“Não podemos nos calar frente às
arbitrariedades dos órgãos de repressão que praticam a criminalidade
estatal”, diz. O filme, que foi lançado em novembro no Chile e teve
pré-estreia em São Paulo, agora será exibido em nova sessão de
pré-estreia no próximo dia 24, no Centro Cultural Banco do Brasil de
Belo Horizonte.
CartaCapital: Como surgiu a ideia de fazer o documentário?
Cleonildo Cruz: Realizar Operação Condor –
Verdade Inconclusa foi algo inexorável.
Na condição de cineasta que é
historiador, venho descortinando o regime militar no Brasil e não
poderia fechar o ciclo sem tratar da Operação Condor para desvendar
bastidores e verdades não reveladas da aliança político-militar entre
vários regimes militares da América do Sul: Brasil, Argentina, Chile,
Bolívia, Peru, Paraguai e Uruguai, com apoio logístico e financeiro dos
EUA, formalizada em 1975, em Santiago do Chile.
É um complemento, ao lado do documentário
Olhares Anistia, finalizado neste mês com a jornalista Micheline
Américo. O filme revisitará o movimento de luta pela anistia, seus
desdobramentos históricos e questões ambíguas durante a sua aprovação
ambientada ainda na ditadura, em 28 de agosto de 1979, até sua recente
polêmica validação pelo Supremo Tribunal Federal.
CC: Qual foi o processo para a execução do filme em termos de entrevistas e viagens?
CC: O processo foi denso e envolveu as
etapas de pré-produção, produção e pós-produção, totalizando mais de 30
entrevistas. Realizamos várias pesquisas primárias e secundárias nos
sítios históricos do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Chile e
Bolívia. Tenho plena certeza que Condor é o melhor que temos na
filmografia da América Latina sobre o tema. Além do componente da
pesquisa histórica, temos o emocional, que é muito forte.
Buscamos documentos, relatos, ouvindo
familiares e vítimas sobreviventes das torturas dentro da Operação
Condor. Quando estamos frente a frente com cada um dos entrevistados,
temos de ter controle emocional para ouvir, perguntar e conduzir a
filmagem. Mas quando estamos na etapa de pós-produção não conseguimos
segurar a emoção e choramos profundamente.
O filme é dedicado aos familiares
latino-americanos que, com seus testemunhos, recompilam o que foi a
Operação Condor: Aide Rita, Sara Basso, Elisa Cerqueira, Edgardo
Binstock, Lilian Celiberti, Roberto Perdia, Andrés Habegger, Gustavo
Molfino Giannetti, Julio Abreu, Alicia Cadenas Ravela, Elba Rama, Roger
Rodriguez,Mateo Gutiérrez, Sofia Prats, Fran Uruguay, Macarena Gelmán,
Martin Almada, Flor Hernandez Zazpe, Dora Careno, Laura Elgueta,
Errandonea, Paulina Veloso e Juan Pablo Letelier.
CC: O que ainda falta ser esclarecido sobre a Operação Condor?
CC: Acredito que falta esclarecer a
verdade sobre muitos latino-americanos sequestrados, torturados e
assassinados, assim como seus restos mortais, para que suas famílias
possam colocar um ponto final à história. Não restam mais dúvidas que a
Operação Condor foi um pacto criminal dos regimes militares do países do
Cone Sul.

Imagem que representa morto e
desaparecido político no
Museu da Memória: Ditadura e Direitos Humanos,
do Paraguai (Foto: Reprodução)
CC: Conhecer melhor a Operação Condor pode trazer que tipo de esclarecimento sobre o presente?
CC: Mostra que não podemos nos calar frente às arbitrariedades dos órgãos de repressão que praticam a criminalidade estatal ou pela omissão de órgãos designados para investigar e encaminhar os responsáveis à Justiça. Quando um agente do Estado comete arbitrariedades criminalizando movimentos sociais e prendendo inocentes está cometendo o mesmo crime hediondo que foi praticado nos porões da ditadura no Brasil.
CC: Mostra que não podemos nos calar frente às arbitrariedades dos órgãos de repressão que praticam a criminalidade estatal ou pela omissão de órgãos designados para investigar e encaminhar os responsáveis à Justiça. Quando um agente do Estado comete arbitrariedades criminalizando movimentos sociais e prendendo inocentes está cometendo o mesmo crime hediondo que foi praticado nos porões da ditadura no Brasil.
CC: O quanto a Comissão Nacional
da Verdade brasileira conseguiu avançar para desvendar o que ocorreu na
Operação Condor, em sua opinião?
CC: A Comissão Nacional da Verdade é um
órgão de governo estabelecido para determinar os fatos, causas e
consequências de violações de direitos humanos sobre o passado recente.
Mas muito falta a ser esclarecido sobre a Operação Condor.
Trago o exemplo do sequestro da argentina
Noemí Molfino. Obtive acesso ao documento que revela que a ditadura
brasileira participou do sequestro da militante no Peru em 12 de junho
de 1980, que apareceu morta dia 19 de junho de 1980 em seu apartamento
em Madri. A ação da Operação Condor envolveu o Brasil, e seu filho,
Gustavo Molfino, espera até hoje uma resposta da Comissão Nacional da
Verdade.
CC: Como enxerga as investigações de outros países da região em relação ao período ditatorial? Eles avançaram mais do que nós?
CC: O Brasil foi o último país a criar
uma Comissão Nacional da Verdade. Só esse ponto explica o resultado de
apenas esclarecer os fatos e resgatar a memória do que foi o regime
civil-militar no País. Os outros países avançaram muito mais que nós.
Talvez seja essa a explicação de não termos caminhado para a
responsabilização dos agentes do Estado que praticaram a criminalidade
estatal.
Vivemos um regime entre 1964 e 1985.
Tivemos a Lei de Anistia 6.683 de 1979, a Constituição de 1988, e as
leis 9.140/95 e 10.559/02, pela implantação da Comissão de Mortos e
Desaparecidos Políticos e da Comissão de Anistia. O conceito de justiça
de transição, no entanto, vai muito além da busca pela verdade e
memória, da reparação às vítimas do regime civil-militar.
Significa a responsabilização dos agentes
do Estado que agiram criminalmente sequestrando, torturando,
assassinando e ocultando os mortos. A Comissão Nacional fez a opção mais
cômoda de apenas resgatar a verdade e a memória como política de
Estado. É preciso caminharmos para uma justiça de transição efetiva e
não apenas um resgate histórico.
CC: Além de aliados políticos, o que ganhavam os EUA apoiando governos de direita em nome da luta contra o comunismo?
CC: O controle hegemônico da política e
economia do mercado de capitais da região. A interligação dos aparatos
repressivos dos vários regimes militares da América do Sul (como Brasil,
Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Paraguai e Uruguai) não seria possível
sem o apoio logístico e financeiro dos EUA. Embaixadas interligadas em
comunicados permanentes, trocas de correspondências e monitoramentos.
Tinham todos os movimentos da esquerda na América Latina monitorados.
Era tempo da Guerra Fria, e a Doutrina de Segurança Nacional norteou a
unificação dos aparatos repressivos de forma oficial em 1975.
É uma grande mentira dizer que essa
relação dos EUA com as ditaduras na região se deu de forma mais efetiva
após a oficialização da Operação Condor, em 25 de novembro de 1975. Os
EUA gestaram em suas embaixadas todos os golpes militares dos países da
América Latina, agindo além das suas fronteiras para desestabilizar as
democracias.
CC: Qual a herança que nos deixa a Operação Condor? Como superá-la?
CC: Existe a herança do pacto criminal
que foi a Operação Condor, que ainda hoje carregamos não só
subjetivamente, mas com a prática do autoritarismo dentro das nossas
corporações políticas e policias. É uma constatação de que os direitos
humanos não são convertidos em política de Estado na América Latina.
FONTE: Blog https://cronicasdosul.com/2016/09/05/operacao-condor-documentario/
Outras notícias sobre o tema em:
http://www.cnv.gov.br/index.php/2-uncategorised/417-operacao-condor-e-a-ditadura-no-brasil-analise-de-documentos-desclassificados
https://cronicasdosul.com/2016/09/05/operacao-condor-documentario/
FONTE: Blog https://cronicasdosul.com/2016/09/05/operacao-condor-documentario/
Outras notícias sobre o tema em:
http://www.cnv.gov.br/index.php/2-uncategorised/417-operacao-condor-e-a-ditadura-no-brasil-analise-de-documentos-desclassificados
https://cronicasdosul.com/2016/09/05/operacao-condor-documentario/
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