João Jorge e Jacobina Maurer

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I m A g E m

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O Velho do Espelho

"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
quem é esse que me olha e é
tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus,Meu Deus...Parece meu velho pai -
que já morreu"! (Mario Quintana)

P E S Q U I S A

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O que vende o MBL? (parte II)

                             
                                         "O discurso neoliberal implode a si mesmo, pois ao mesmo tempo em que  louva a livre concorrência, tem como regra básica solapar o concorrente. Não por outro motivo, o neoliberalismo é o irmão siamês do fascismo, pois ambos levam à barbárie. O absurdo se torna razoável: a mentira é dita “pós-verdade”; a perseguição insana é aplaudida; pouco falar e menos ainda dizer considera-se eloquência; a ignorância, antes signo de vergonha pública, agora é exibida; a negação do tempo necessário ao exercício crítico aparece como rapidez; simplesmente gritar é altivez; o gesto do dedo em riste que desnuda o autoritarismo se mostra como veste da coragem; difamar torna-se valentia; injuriar é a atitude recomendável; a perfídia é cultivada; a mediocridade louvada; a intimidação legitimada faz da violência recurso usual"...                                                 
                                                                                                        Por Fran Alavina – on 23/11/2016


                            No Paraná, confronto entre integrante do MBL (à esquerda) e professor que manifesta apoio à ocupação de escola secundarista

Esse texto é segunda parte do artigo “O que vende o MBL?”. 
Retomando a discussão: uma visibilidade violenta e deformada No primeiro momento deste artigo buscou-se desnudar as relações entre a precarização do “mundo político” e do “mundo do trabalho” que abrem um horizonte histórico no qual movimentos do tipo MBL são possíveis. Tal movimento opera no registro da política como negócio, cuja “mercadoria”, não material, mas simbólica, é a satisfação dos desejos e paixões na forma de participação em um grupo que reúne indivíduos de mesma “aspiração política”. 

Em grupos como o MBL, este agrupamento de indivíduos não opera com determinações de classe, não representam um grupo ou setor social determinado, definido, (pelo menos aparentemente), porém, usando de termos frouxos, por isso de fácil manipulação, como o termo Livre que adjetiva o movimento, pode se difundir sem amarras. Isto é, alcançar uma maior variabilidade de público: desde aqueles que já leram um pouco sobre liberalismo e neoliberalismo até àqueles proto-fascistas que querem apenas fazer do ódio o sentido de suas aspirações políticas. Odiar em grupo parece ser melhor que odiar sozinho: eis um dos mais lucrativos mecanismos passionais do grupo. Trata-se, pois, de orientar o ódio na direção mais lucrativa. Do lado dos que odeiam não pode haver distinções, a massa que odeia tem como único liame o reconhecimento de uma paixão violenta, tal como consumidores compulsivos que independentemente dos produtos consumidos se reconhecem tão somente na vontade de consumir.  Tais questões foram sintetizadas na pergunta título do primeiro momento deste artigo: “O que vende o MBL?”.

Agora que sabemos o que, de fato, vende o grupelho de discurso liberal e gestos proto-fascistas, antes de analisarmos os novos (des)serviços e mercadorias oferecidos pelo grupo no mercado político, cumpre não desconsiderar um dos aspectos mais determinantes do modo de atuação de seus mais notórios integrantes: a busca por visibilidade, violenta e deformada. Como efeito da concorrência estúpida e brutal proporcionada pela barbárie neoliberal, a visibilidade tornou-se não apenas uma questão empresarial e um nicho de mercado, mas também uma dimensão que incidindo diretamente sobre os afetos e desejos realiza uma mudança nos liames sociais, nos modos de constituição identitários. A formação de identidades, com efeito, passa necessariamente pela imagem que cada um tem de si, bem como pela imagem que os outros possuem de nós. Ora, apropriando-se dessa intrínseca necessidade subjetiva, a ideologia do empreendedorismo de si joga os indivíduos para uma busca desenfreada de visibilidade. Não se trata do que se vê, mais de como se é visto. Porém como todos querem ser vistos ao mesmo tempo, a visibilidade transformada em signo de reconhecimento social, a busca pela visibilidade gera um tipo de concorrência difusa, na qual se sai melhor quem alcança uma visibilidade perene. Os mais vistos serão então aqueles que forjarem novas formas de visibilidade, destacando-se daquelas comuns. Se no mercado da visibilidade todos são empreendedores de si, todos concorrem mutuamente, logo em concorrência assim tão absurda, reinam a estupidez e a insensatez, pois se rompem regras básicas de civilidade, os limites dos decoros sociais são esquecidos, posto que a concorrência desenfreada não enxerga tais limites. Tudo pode ser feito, tudo pode ser dito; desde que gere visibilidade. 



O outro nada mais é que um concorrente que deve ser eliminado, uma vez que também almeja visibilidade. O discurso neoliberal implode a si mesmo, pois ao mesmo tempo em que louva a livre concorrência, tem como regra básica solapar o concorrente. Não por outro motivo, o neoliberalismo é o irmão siamês do fascismo, pois ambos levam à barbárie. O absurdo se torna razoável: a mentira é dita “pós-verdade”; a perseguição insana é aplaudida; pouco falar e menos ainda dizer considera-se eloquência; a ignorância, antes signo de vergonha pública, agora é exibida; a negação do tempo necessário ao exercício crítico aparece como rapidez; simplesmente gritar é altivez; o gesto do dedo em riste que desnuda o autoritarismo se mostra como veste da coragem; difamar torna-se valentia; injuriar é a atitude recomendável; a perfídia é cultivada; a mediocridade louvada; a intimidação legitimada faz da violência recurso usual e preconceitos são ditos por bocas cínicas em rostos que não se ruborizam. Como poderiam se ruborizar, se os limites dos decoros sociais foram rompidos?



Tudo isto que se pode diagnosticar em nosso trágico e cruciante presente político, se expressa nos discursos e nas ações do MBL, pois se tratando de submeter tudo às regras do mercado, isto é, à lógica mercadológica neoliberal, a “ação política” também opera segundo tais parâmetros. Filhos diletos da precarização, sabemos que o “Livre” que adjetiva o grupo nada mais é que a liberdade de mercado, portanto a barbárie. Não basta ter o produto certo e conhecer o público alvo, é preciso visibilidade. É ela, a determinação estético-política de nosso tempo. “Se você não aparece, não vende”. Nesse âmbito, as redes sociais virtuais permitem que essa visibilidade seja feita sem grandes custos: basta um smartphone na mão e uma ideia na cabeça. Ademais, a visibilidade, filha da concorrência do empreendedorismo de si, deve propiciar excitação. Desse modo, o MBL forjou sua visibilidade no rastro das manifestações de junho de 2013, naquele momento em que as ruas foram cooptadas pelos discursos reacionários. De lá até aqui, o modo de atuação tem sido o mesmo. Perseguir, discursar com dedos em riste, espalhar boatos, operar com ofensas, gritar para se passar por corajoso e enfático. Foi assim nos domingos do golpe, assim sempre nos lugares e momentos que possam propiciar visibilidade.

Agora, a visibilidade está nas ações conjuntas com o governo ilegítimo e na intimidação das ocupações secundaristas. Uma vez garantida a visibilidade, sela-se a consolidação da marca no mercado. Consolidada a marca, os negócios se expandem. A terceirização da palavra e o fascismo como negócio: um governo gago e a “língua das ruas” Em artigo anterior (Foucault, as palavras e as coisas), abordamos aquilo que é possível considerar como sendo o âmbito linguístico do golpismo, o Golpe em sua dimensão discursiva: os usos e abusos dos termos, as usurpações de seus sentidos, bem como o cerceamento da livre da palavra. Com efeito, à medida que avança a agenda de maldades do (des)governo usurpador, o caráter linguístico e seus agentes tornam-se ainda mais evidentes, pois é no campo discursivo que se formam o consenso e a legitimidade: elementos que o (des)governo não possui. Logo, no âmbito das falas públicas feita pelo (des)governo e seus sequazes, a comunicação tornou-se uma trincheira singular. Como este governo é pobre de elementos constituidores de legitimação, sua fala pública nas ocasiões de maior visibilidade é sempre reativa. Isto é, não se trata de uma fala autônoma, mas de “respostas”. Nestas respostas, além do cinismo discursivo de tentar resignificar aquilo que outros disseram contra, nota-se também o nervosismo que é fruto do reconhecimento das próprias incapacidades. O símbolo máximo disto se deu logo no dia da posse, no modo destemperado da não aceitação do termo golpista. A tentativa de mostrar algum tipo de altivez demonstrou o quanto o homem que está investido da faixa presidencial desconhece os limites discursivos das boas falas públicas. Quem não está acostumado à fala pública, ao se deparar com a sua execução, se expõe a dois erros: ou gagueja, ou faz uso de uma fala impoluta, rica de artifícios gramaticais, mas pobre de expressividade. Quando estes dois erros convergem em uma mesma direção, como é o caso do atual presidente, apela-se para um discurso reativo que opera distorcendo o sentido e a legitimidade das falas contrárias. Foi assim quando ele comentou o discurso do papa Francisco, quando debochou dos trabalhadores que protestavam em Brasília, também foi assim quando tentou deslegitimar as ocupações secundaristas: sempre com um sorriso que pode ser encontrado na boca daqueles que estão suspensos entre o cinismo e a insegurança.

 Do reconhecimento das carências comunicativas do ilegítimo, o Planalto, como foi noticiado em setembro, recorreu ao MBL para “colaborar” no setor de comunicação. Como movimento que supostamente conhece a “língua das ruas” diz-se que poderá ajudar a tornar palatável o plano de maldades que se tenta implementar. Assim, o MBL aparece como detentor de uma nova mercadoria: a “língua das ruas”. O (des)governo, por carência comunicativa, terceiriza sua fala. É sintomático que um “governo” louvado em seu começo pelo uso correto do vernáculo, mais precisamente o elogio das mesóclises, esteja agora terceirizando a palavra. Sinal de suas fraquezas, por um lado; de fortalecimento dos movimentos proto-fascistas, por outro.

Aqui há, porém, uma confusão entre a “língua do MBL” e a “língua das ruas”.  A língua do MBL se pauta por uma delinquência discursiva que não é necessariamente a língua das ruas, mas que o MBL impulsionou nas e às ruas. A língua do movimento como já sabemos é uma delinquência discursiva que infringe os parâmetros de qualquer decoro social, portanto uma língua violenta que espetaculariza o próprio movimento e injuriando os adversários, os torna objeto de ódio. A língua do grito como forma e do destemperamento como conteúdo (características mais visíveis no vereador paulistano Fernando Holiday), portanto a língua do fascismo. Este fascismo que se expressa na língua do movimento, ou seja, na sua delinquência discursiva, já se configura em atos. A intimidação e o recurso à violência na tentativa de desocupar as escolas ocupadas no Paraná dão mostras que para o grupo se rompeu os limites entre a fala fascista e os atos fascistas. Nesse sentido, o MBL revela o que há de fascismo no (neo)liberalismo. Chegamos ao ponto que já não se trata mais de nos opormos a um discurso que reduz nossas vidas à perversidade do âmbito econômico, mas da oposição àqueles que tentam extirpar os últimos liames de civilidade que nos resta para jogar-nos na barbárie. Portanto, ao se ler MBL, entenda-se fascismo.

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