João Jorge e Jacobina Maurer

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I m A g E m

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O Velho do Espelho

"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
quem é esse que me olha e é
tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus,Meu Deus...Parece meu velho pai -
que já morreu"! (Mario Quintana)

P E S Q U I S A

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Historiadores irlandeses revêem a Guerra do Paraguai pela ótica de Elisa Lynch



 

A irlandesa Elisa Lynch foi uma prostituta ambiciosa e manipuladora que incitou o ditador paraguaio Francisco Solano López a iniciar o conflito mais sangrento da história da América Latina, a Guerra do Paraguai. Pelo menos essa é a versão que ficou para a história, amplamente divulgada pelos periódicos brasileiros da época e que dirou até hoje.

Mas um grupo internacional de historiadores está propondo que a "Evita Perón do Paraguai" foi na verdade uma corajosa mulher à frente de seu tempo, que se dedicou ao país frente à invasão das tropas do Brasil. Uma mulher que cavou pessoalmente a cova do companheiro após ele ser morto por lanceiros brasileiros.

Para a maioria dos brasileiros, a Guerra do Paraguai é um período esquecido, renegado a vagas lembranças das aulas de história. Já para os paraguaios, foi o momento no qual o seu país, que despontava como potência da América do Sul, foi atirado de volta à idade da pedra, com estupros em massa e no qual em torno de 90% da população masculina foi dizimada.

E a obra "Calúnia: Elisa Lynch e a Guerra do Paraguai" mostra que essa ferida está aberta até hoje na sociedade paraguaia ao mostrar essa guerra trágica pela ótica de uma mulher que ficou lembrada como uma das mais cruéis do mundo.

O livro trilingue, em português, espanhol e inglês, é resultado do esforço conjunto de uma equipe de historiadores que se basearam em milhares de documentos de diversos países.




Veja abaixo a entrevista com o autor Michael Lillis, ex-diplomata que morou por vários anos no Brasil e se interessou por essa figura acusada de ajudar a criar um dos piores conflitos da América do Sul.

Livraria da Folha - Quando você ficou interessado pela primeira vez em Elisa Lynch?

Foi em 1991, eu estava me dirigindo ao Paraguai a negócios, trabalhava com leasing de aviões para empresas da região e o então presidente do país, General Rodrigues, pediu para me ver depois que assinamos o contrato. Ele disse que queria me perguntar o que eles achavam na Irlanda da heroína nacional do Paraguai? Eu não sabia do que ele estava falando, mas como fui um diplomata por vinte anos respondi "com muito interesse, sua excelência". Quando saímos do escritório eu perguntei a um amigo do que se tratava e ele me contou sobre Elisa Lynch. Outro colega depois me enviou um livro chamado "World's Wickedest Women" [pode ser traduzido como "as mulheres mais más do mundo"] e havia um capítulo inteiro dedicado a ela, onde ela era descrita como uma torturadora e prostituta. E nós provamos com nossa pesquisa que isso não possui nenhum fundamento histórico.

Livraria da Folha - Como foi o processo de criação da obra?

Em 1991 eu comecei apenas a me interessar pelo assunto, sem nenhuma pretensão de escrever um livro. Depois diversos amigos do Paraguai, Brasil e da Europa nos reunimos para trocar informações sobre Elisa Lynch. E então começamos a lidar com isso de forma mais séria a partir do ano 2001 com a ajuda do falecido comandante Rolim Amarro, fundador da TAM. Ele organizou um seminário de duas semanas em Assunção onde nós ouvimos cerca de doze historiadores de diversas partes do mundo, que trouxeram novas informações sobre essa mulher fascinante. Eu me afastei um pouco do livro após o acidente aéreo que causou a morte do comandante Rolim, pois ele era um grande amigo, mas retomamos o projeto nos últimos anos. Nós reunimos cerca de 10 mil documentos de diversas regiões do mundo, dos Estados Unidos, Brasil, Paraguai, Irlanda e muitos da Biblioteca do Vaticano.

Livraria da Folha - Você encontrou algum tipo de dificuldade por parte do governo brasileiro ou da comunidade acadêmica do país?

Não. O nosso principal historiador brasileiro, Ricardo Maranhão, chegou a se preocupar, pois parte dos arquivos brasileiros sobre a Guerra do Paraguai ainda é confidencial, está fechado para consultas. Não sabemos nada sobre o que existe dentro desse arquivo secreto e eu acho que a maioria dos historiadores de hoje concordaria que seria uma atitude positiva liberá-los, uma vez que selados como estão eles são fonte de especulação e até paranóia sobre o conteúdo desses documentos. A Irlanda tem uma história também difícil, semelhante à do Paraguai em diversos aspectos, e acredito que sempre é importante disponibilizar o máximo possível de informações para ajudar a diminuir o trauma que fica em um país que passa por momentos históricos tão devastadores.

Livraria da Folha - Você acha que o governo brasileiro hoje possui algum tipo de responsabilidade, não só de abrir esses documentos ao público, mas de talvez fazer uma declaração sobre a atuação brasileira no período?

Tanto eu quanto o co-autor Ronan somos irlandeses, e como falei nosso país passou por diversos momentos conturbados com a Inglaterra pela independência e outros episódios que remontam há séculos. Esse legado do passado sempre foi um enorme problema para a relação entre os países, mas quando Tony Blair emitiu em 1997 um pedido de desculpas pela responsabilidade da Inglaterra pela Grande Fome de 1840, que causou a morte de milhões de irlandeses, esse gesto obviamente não solucionou as divergências, mas foi uma grande ajuda para curar essa cicatriz do passado. Quando você vai para o Paraguai hoje você ainda percebe esse tipo de cicatriz na sociedade.

Livraria da Folha - Em todas as guerras ocorrem grandes perdas. O que houve de diferente da do Paraguai?

Nos dois últimos anos da guerra, eu sinto dizer, ocorreram diversas atrocidades contra civis. O Duque de Caxias chegou a recomendar ao imperador Dom Pedro 2º o fim do combate, pois o Brasil tinha claramente vencido, mas o imperador insistiu em continuar com a campanha. E isso deixou uma marca muito forte na consciência paraguaia. Não cabe a mim dizer que tipo de gesto o governo brasileiro deveria realizar. Poderia ser um pedido de desculpas, poderia ser, como acredito que o presidente Lula já esteja fazendo, encontrar formas de melhorar as relações entre as duas nações, talvez algo relacionado à hidrelétrica de Itaipu, que é muito importante para a infraestrutura do país. O Paraguai é muito pobre e o Brasil é uma nação que possui um lugar importante no mundo e acho que existem formas que o Brasil possa auxiliar o vizinho que também sejam proveitosas para o Brasil.

Livraria da Folha - Qual você considera a importância desse tipo de revisão de verdades históricas consideradas estabelecidas?

É importante que cada geração reveja o passado e reescreva a história. No caso da Guerra do Paraguai, e da biografia de Elisa Lynch em particular, isso é de extrema importância. Na criação deste livro nós descobrimos que muitas das lendas que cercava essa personagem foram fabricadas por inimigos tanto dentro quanto fora do Paraguai. E no final das contas, mesmo que ela não tenha sido perfeita de forma alguma, era uma mulher extremamente interessante, com grande coragem, que foi muito dedicada à causa paraguaia. Com relação ao conflito, ele simplesmente destruiu o Paraguai e deixou um terrível legado histórico no país. E devido à nossa perspectiva como irlandeses, um país que também passou por períodos históricos muito difíceis, consideramos que é importante trazer à tona essas questões para que possamos, tanto fazer algo sobre elas hoje, quanto evitá-las no futuro.



GUILHERME SOLARI
colaboração para a Livraria da Folha
30/11/2009 - 12h23
http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u659511.shtml
 

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