João Jorge e Jacobina Maurer

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I m A g E m

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O Velho do Espelho

"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
quem é esse que me olha e é
tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus,Meu Deus...Parece meu velho pai -
que já morreu"! (Mario Quintana)

P E S Q U I S A

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Morre Dom Paulo Evaristo Arns, “o cardeal da esperança”

Maior líder da Igreja Católica brasileira, Arns enfrentou militares e defendeu a periferia. Um filme sobre sua vida, que foi muito além das crenças religiosas, será lançado em breve

                                                                               Camila Moraes São Paulo 14 DEZ 2016 - 16:05


Dom Evaristo Arns na homenagem que recebeu em 24 de outubro deste ano. Folhapress   El País

Morreu nesta quarta-feira, vítima de uma broncopneumonia, o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, uma das pessoas mais influentes da Igreja Católica e da sociedade brasileiras, conhecido pela contenda de uma vida inteira em defesa dos direitos humanos no país. Dom Evaristo, aos 95 anos completados em setembro, estava internado no Hospital Santa Catarina, em São Paulo, desde 28 de novembro, e hoje foi declarado pelos médicos que sofreu uma falência múltipla de órgãos. 

Apesar de ter passado os últimos anos vivendo recluso em um convento em Taboão da Serra, sua morte impacta diferentes grupos sociais pelo seu papel decisivo na história da democracia brasileira. Dom Paulo, com 71 anos de sacerdócio, é uma figura que congrega pessoas muito além de crenças religiosas. Foi um dos principais nomes na luta contra a ditadura (1964-1985) e a favor do voto nas Diretas Já. Por conta disso – e por sua atuação incansável na defesa dos pobres – ficou conhecido como o "cardeal da esperança”. 

Na mais recente homenagem à sua trajetória política, em seu 95 aniversário, foi descrito por Dom Angélico Sândalo Bernardino como “o rosto da periferia de São Paulo”. “Ele é ecumênico, coração aberto, anunciando a urgência de resistirmos contra toda mentira, contra toda impostura. Naquele tempo, contra a ditadura civil-militar. E essa resistência, a que ele nos convida, é permanente no Brasil atual”, disse o bispo da diocese de Blumenau. 

Celebrada em 24 de outubro no Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), às vésperas da morte do jornalista Vladimir Herzog na mão dos militares em 1975, a cerimônia reuniu religiosos, líderes militantes, intelectuais e jornalistas. Foi marcada, sobretudo, por relatos das ações de Arns contra a tortura aplicada pelos militares nos anos 60 e 70 e também por gritos de “fora, Temer”. João Pedro Stédile, coordenador nacional do Movimento Sem Terra, afirmou que sem ele os movimentos sociais careceriam de guia. “A maioria dos movimentos que hoje existe, MST, MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], Movimento dos Pequenos Agricultores, Comissão Pastoral da Terra, Cimi [Conselho Indigenista Missionário], nascemos orientados por vossa sabedoria, que pregava: em tempos de ditadura, deus só ajuda quem se organiza. Então fomos nos organizar. Queremos agradecer de coração por tudo que o senhor fez nesses 95 anos, sobretudo porque o senhor ajudou a acabar com a ditadura militar no Brasil”, disse Stédile. 

Corintiano, o arcebispo também recebeu homenagens, na ocasião, do coletivo Democracia Corinthiana. No Brasil, Dom Paulo Evaristo foi bispo e arcebispo de São Paulo entre os anos 60 e 70. Quando assumiu a Arquidiocese de São Paulo, a segunda maior comunidade católica do mundo, em 1970, uma de suas primeiras medidas foi vender o Palácio Pio XII, residência oficial do arcebispo, para financiar terrenos e construir casas na periferia. Em 1972, ele criou a Comissão Brasileira Justiça e Paz, que articulou denúncias contra abusos do regime militar. Chegou a ser fichado no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em 1979. Em 1985, o cardeal criou a Pastoral da Infância com o apoio da irmã Zilda Arns, que morreu no Haiti, onde realizava trabalhos humanitários, vítima do forte terremoto que destruiu parte do país em 2010.

Arns também foi o fundador, ao lado do pastor presbiteriano Jaime Wright, do projeto Brasil: Nunca Mais, que reuniu documentos oficiais sobre o uso da tortura no Brasil. Sua história, contada em dois livros lançados pelo jornalista Ricardo de Carvalho, O Cardeal e o Repórter e O Cardeal da Resistência, chegará às telas do cinema com o filme Coragem – As muitas vidas de dom Paulo Evaristo Arns. 

Dirigido por Carvalho, o documentário – coproduzido pela Globo Filmes e o primeiro a ser feito sobre o arcebispo – retrata sua resistência ao regime militar e está prestes a ser concluído. Ex-repórter da Folha de S.Paulo, Carvalho conheceu dom Paulo em 1976 por conta de sua intensa relação com a imprensa. Relata o diretor: “Ele foi, sem dúvida, a mais importante fonte de informações contra o regime militar. Como jornalista que é, dom Paulo não errava uma e tudo que dizia ou denunciava, vinha com provas, relatos... Foi assim quando o pastor Jaime Wright, ligadíssimo a dom Paulo, me passou, em 1978, a conta-gotas, a primeira lista de desaparecidos políticos checadas em diferentes fontes”. 


sábado, 3 de dezembro de 2016

Quem inventou a “Pós-verdade”?

“Querem me dizer que esse gás sarín não existe?!”
(General Collin Powells, exibindo uma “prova” na ONU)

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Depois de distorcer sistematicamente os fatos, velha mídia queixa-se da enxurrada de mentiras difundidas nas redes sociais. Faz sentido: os oligopólios não toleram concorrência
Por Neil Clark | Tradução: Vila Vudu


Os Dicionários Oxford escolheram “pós-verdade” como a palavra do ano. “Notícias falsas” e política “pós-verdade” foram declaradas culpadas pelo resultado a favor de o Reino Unido separar-se da UE, e pela vitória de Donald Trump nos EUA. Como se a plebe analfabeta e burra caísse nas “falsas notícias” que os infelizes leem na “nova mídia” e nas mentiras da perigosíssima gangue de políticos ditos populistas que só investem nas emoções mais baixas, não em “fatos objetivos”, para angariar votos. Fenômeno terrivelmente preocupante, que ameaça diretamente a civilização ocidental como a conhecemos.
Bem, bem, perdoem-me por não segurar uma gargalhada. Porque ver o establishment assim tão preocupado com “notícias falsas”/”política pós-verdade” é a piada mais engraçada que me aparece desde que LordJenkins of Hillhead, imponente reitor da Universidade de Oxford, várias vezes, repetidamente, chamou seu ilustre hóspede do Sheldon, Mikhail Gorbachev, de “Mr. Brezhnev.” O que há de tão hilário? Ora! É que as pessoas e os veículos que mais alertam contra os perigos das “falsas notícias” e da “política pós-verdade” são os maiores disseminadores repetidores de “falsas notícias” e da “política pós-verdade” que jamais houve. É como ouvir lições da boca de Al Capone sobre a imoralidade do contrabando; ou o corcunda de Notre Dame a exigir que todos se sentem com costas retas.
Não há dúvidas de que o melhor, digo, o pior exemplo de “falsas notícias” nos últimos 25 anos ou mais, é a mentira neoconservadora belicista segundo a qual o Iraque teria armas de destruição em massa em 2002/3. E não foi mentira criada, disseminada e repetida por “blogueiros obscuros” e “nova mídia”, mas por políticos ocidentais da mais fina estirpe, de partidos “sérios”, e “especialistas” aprovados pelos altos padrões de seriedade e respeitabilidade a serviço de BBC/ITV/CNN, etc., e colunistas de jornal os mais “sérios” e “respeitáveis” dos veículos mais idem e idem. Nunca houve absolutamente nenhuma prova de que Saddam Houssein teria armas de destruição em massa. A história nunca passou de plena e total mentira, absoluto bullshit. Pois essa notícia falsa dominou as manchetes durante meses em 2002/3 e levou a uma invasão criminosa que matou número assombroso de seres humanos. Diferente da histeria contra “notícias falsas” de hoje, a guerra do Iraque nunca foi piada. Aquela notícia falsa destruiu um país inteiro!
E… adivinhem?! Os mesmos que inventaram e repetiram sem parar e que converteram a mentira sobre armas de destruição em massa em notícia lá estão hoje, os mesmos, a deitar falação sobre “falsas notícias”!  John Hilley observou: “A BBC até meteu lá no estúdio Alastair Campbell (homem de Tony Blair, encarregado da ‘comunicação’ naqueles dias falsos da manhã à noite), para defender a palavra ‘pós-verdade’ como meio para ‘denunciar’ os ‘perigos’ das ‘falsas notícias’.”
Campbell ensinou que “Reconhecimento que a política, que sempre foi dura, entrou em nova fase, quando os políticos que mentem parecem hoje ser recompensados pelas mentiras.” (BBC2 Jeremy Vine Show, 16/11/2016).                                                                                       O que diria Orwell desse Campbell, mestre em criar e disseminar notícias falsas e belicista blairista, lá sentado, dentro da BBC e recompensado por suas ideias sobre “pós-verdade” e “notícias falsas”? – pergunta Hilley. Não tenho dúvidas de que o velho George está aos pulos na cova, em Sutton Courtenay.
E há também o príncipe da guerra & camisa branca, belicista Bernard-Henri Levy. Hoje, o Sunday Telegraph noticia na manchete: “Renomado filósofo francês: Marine Le Pen pode sair vitoriosa, porque o povo já não se interessa por saber se os políticos dizem a verdade.”
Oh, que ironia!
Porque se o povo francês realmente “já não se interessa por saber se os políticos dizem a verdade”, Henri-Levy e seus cúmplices belicistas militantes da “mudança de regime” têm muito a ver com isso. Lembrem a guerra contra a Líbia, que o “renomado filósofo francês” fez lobby sem descanso. Para vender a guerra à opinião pública ocidental, nos mentiram que Muammar Gaddafi estaria a ponto de cometer um massacre “estilo Srebrenica” em Benghazi. Media Lensanotou o que então se “noticiava”. Mais uma vez, só “notícias plantadas” [orig. “rollocks“]. Cinco anos depois que a Líbia, como o Iraque antes dela, foi destruída por “intervencionistas” ocidentais, relatório da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Comuns informava, afinal sem mentir, que “a proposição de que Muammar Gaddafi teria ordenado o massacre de civis em Benghazi não encontra apoio em nenhuma prova hoje disponível.”
E não foi a única “informação verdadeira” que políticos ocidentais distribuíram pela mídia-empresa para a mídia e que não encontrava nem jamais encontraria qualquer apoio em “prova hoje disponível.” Em fevereiro de 2011, o secretário de Relações Exteriores William Hague insistiu que teria visto “informação” que sugeria que Gaddafi estava a caminho da Venezuela. Um “diplomata” não identificado dissera que se tratava de “informação confiável”. Só que não era. Tratava-se do mesmo tipo de notícia falsa que passa a nos ser impingido sem parar, à opinião pública, cada vez que elites ocidentais põem-se a tentar “mudança de regime”. Em abril de 2011 a notícia em todos os veículos “sérios”, não falseadores de notícias, rezava que Gaddafi (o qual, como adiante se viu nunca fugira para Caracas), estava alimentando seus soldados com Viagra “para estimular o estupro em massa.”  “As forças de segurança de Gaddafi e outros grupos na região estão tentando semear divisões entre a população, usando violência contra mulheres e o estupro como armas de guerra. Os EUA condenamos essas práticas nos termos mais fortes” – “noticiava” a secretária de Estado Hillary Clinton, a mesma cujos apoiadores estão hoje a se lamuriar com a tal “política pós-verdade”.  Mais uma vez, nenhuma prova foi apresentada do tal Viagra distribuído por Gaddafi para “estimular” estupros. Milagre, milagre: até hoje, nunca apareceu nem vestígio de prova.
Vê-se aí um padrão bem claro. Para obter apoio das populações para suas guerras ilegais para mudança ilegal de regime, o establishmentocidental promove ativa e empenhadamente incontáveis “falsas notícias”, como se fossem notícias não falsas. Para assegurar a “credibilidade” das notícias realmente falsas, elas são publicadas em veículos indiscutivelmente “sérios” e passam a ser regularmente repetidas por quantos comentaristas intervencionistas golpistas o dinheiro consiga comprar, como a causa “indiscutível” da importância e da urgência de se agir contra o tal Estado alvo. Fontes “anônimas” são sempre citadas nessas histórias, a maioria das quais, como a Operação Apelo de Massa do MI6, são muito frequentemente plantadas pelos serviços de segurança. Simultaneamente, uma vasta brigada de atiradores de teclado de laptops neoliberais põe-se a esbravejar que “alguma coisa tem de ser feita”; e é a mesma multidão “ética” e “indignada”, vale anotar, que acusa os políticos ditos “populistas” de ignorarem “fatos objetivos” e manipularem as emoções populares.
As notícias falsas continuam no ar por todo o tempo que dure a operação de mudança de regime. Depois que passa, todos passamos a ouvir que temos de esquecer para sempre as notícias falsas das manchetes da véspera, porque temos de concentrar todas as energias contra o próximo “novo Hitler” que brote da boca da mesma Hillary. Em 2011 foi Gaddafi; hoje são Assad e o desprezível Putin que, nos dizia sempre a mesma (ex-)Hillary: “têm de ser detidos.”A expressão pós-verdade implica que antes, em algum momento, a política teria sido reino da mais pura verdade. Duvido que algum dia tenha sido, mas com certeza nos últimos 25 anos, graças à influência dos neoconservadores e dos “intervencionistas liberais” (?!), as mentiras cresceram muito e já tomaram conta de tudo. Lembram das mentiras sobre urânio do Niger? Sobre Saddam, “retaliador de cadáveres”?          

E antes da guerra do Iraque, foi o bombardeio “humanitário” da OTAN contra a Iugoslávia, quando novamente as falsas notícias (realmente falsas!) dominavam o noticiário. O secretário de Defesa dos EUA William Cohen “informava” que “cerca de 100 mil albaneses kosovares em idade de serviço militar estão desaparecidos” (…) “podem ter sido assassinados”. Como John Pilger não nos deixa esquecer, “Kosovo, local do genocídio que nunca existiu, é hoje um sanguinário ‘livre mercado’ de prostituição e drogas.”  Não foi a única descomunal mentira “noticiada” para vender a guerra aos cidadãos. Mas outra vez “notícias” sobre o “genocídio” e centenas de milhares de mortos eram absolutamente falsas, como se lê, até, em sentença de um tribunal da ONU em 2001.
Noticiário falso, totalmente inventado, apareceu também em grande quantidade na campanha dos neoconservadores para conseguir tornar palatáveis as sanções criminosas contra o Irã, acusado de manter um programa de armas nucleares que ninguém jamais viu – e que não existia. Noticiário integralmente falso dominou a cobertura jornalística dos recentes eventos na Ucrânia, com uma inexistente “invasão da Ucrânia” pelos russos, sempre referida, comentada e criticada como se fosse fato!
O conflito na Síria também é quase exclusivamente objeto de “noticiário” falso, com “informes” repetidos incansavelmente como se fossem 100% comprovados. Quantas vezes o prezado leitor leu/ouviu que “Assad usou armas químicas contra o próprio povo” em Ghouta em 2013? E, isso, apesar de o único fato comprovado até hoje ser que ninguém sabe com certeza e provas quem, afinal, foi autor daquele ataque!  As mesmas pessoas – políticos, jornalistas, “especialistas”, mercenários ativos em várias áreas – que disseminaram tantas falsas notícias por tanto tempo e que ainda vivem incorporados no establishment político e nas mídia-empresas ocidentais, mesmo depois dos fracassos no Iraque e na Líbia, puseram-se agora a espernear contra “mentiras”, pela suficiente razão de que já não controlam a narrativa, como antes.  A opinião pública busca informação e notícias numa variedade muito maior de fontes. E, nas eleições, já começou a eleger candidatos populares, que os eleitores escolhem como bem entendam. Não candidatos/partidos neoconservadores liberais ou não, e sempre intervencionistas, como antes.
Em vez de admitir que esse é o resultado da prática diária, obsessiva, de um oceano de “falsas notícias” e de incansável “política de pós-verdade”, que afastou das empresas de mídia pró-establishment os eleitores (e consumidores de notícias em geral), o incansável lobby da guerra – afinal derrotado na eleição presidencial nos EUA – tem a audácia de acusar outros, pelos crimes que o próprio lobby da guerra comete sem parar há décadas. Preocupados com “falsas notícias” e “políticas de pós-verdade” criadas e disseminadas pelos incansáveis propagandistas ocidentais pró-guerra?!
Difícil encontrar mais claro exemplo do que os psicanalistas conhecem como “projeção”.