João Jorge e Jacobina Maurer

João Jorge e Jacobina Maurer

I m A g E m

I m A g E m
O Velho do Espelho

"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
quem é esse que me olha e é
tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus,Meu Deus...Parece meu velho pai -
que já morreu"! (Mario Quintana)

P E S Q U I S A

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A ‘mini guerra mundial’ que ocorre na Síria

O conflito entre forças locais, regionais e internacionais na Síria se tornou tão complexo que líderes mundiais, militares e jornalistas estão ficando sem termos e comparações históricas para descrevê-lo. E, no campo de batalha, aliados e inimigos se confundem.  No último sábado, o primeiro-ministro da Rússia, Dmitri Medvedev, mencionou a existência de uma "nova Guerra Fria" e questionou se o mundo estava em 1962 ou 2016. Um dia depois, o jornal The Washington Post voltou no tempo outros 20 anos e descreveu o que ocorre hoje na Síria como uma "mini guerra mundial".
 

 "Aviões russos bombardeiam pelo alto. Milícias iraquianas e libanesas com apoio de iranianos avançam em solo. Um grupo variado de rebeldes sírios respaldados por Estados Unidos, Turquia, Arábia Saudita e Catar tenta conter essas milícias", descreveu a publicação. "Forças curdas - aliadas tanto a Washington como a Moscou – aproveitam o caos e expandem território. O (grupo extremista autodenominado) Estado Islâmico (EI) domina pequenos povoados enquanto a atenção se volta a outros grupos", completou. Nem mesmo essa explicação descreve de forma completa todos os conflitos que ocorrem no tabuleiro sírio, como a complexa guerra particular da Turquia contra grupos curdos na Síria. Nos últimos dias, a artilharia turca atacou posições curdas em Aleppo, e o governo de Ancara teve que desmentir rumores sobre a entrada de tropas terrestres na Síria. No último final de semana, enquanto autoridades dos EUA, Rússia e de outras nações reunidas em Munique (Alemanha) declararam um "cessar de hostilidades" na Síria, os EUA conclamavam a Turquia a interromper ataques em território sírio e Damasco pedia uma resposta à ONU pelo que considera uma violação de sua soberania. 

Histórico - 
Ao menos 250 mil sírios morreram em quatro anos e meio de conflito armado, que começou com protestos antigoverno que cresceram até dar origem a uma guerra civil total. Mais de 11 milhões de pessoas tiveram que deixar suas casas, em meio à batalha entre forças leais ao presidente Bashar al-Assad e oposicionistas - e também sob a ameaça de militantes radicais do Estado Islâmico.  Os protestos pró-democracia começaram em março de 2011, na cidade de Daraa, após a prisão e tortura de adolescentes que haviam pintado slogans revolucionários no muro de uma escola. Forças de segurança abriram fogo contra manifestantes, o que provocou mortes e alimentou a insurgência por todo o país - em julho daquele ano, centenas de milhares tomavam as ruas.

Bashar al-Assad
 A violência se intensificou e o país entrou em guerra civil quando brigadas rebeldes foram formadas para enfrentar forças do governo pelo controle de cidades e vilas. A batalha chegou à capital, Damasco, e a Aleppo, segunda cidade do país, em 2012. O conflito hoje é mais do que uma disputa entre grupos pró e anti Assad. Adquiriu contornos sectários, jogando a maioria sunita contra o ramo xiita alauita de Assad. E o avanço do EI deu uma nova dimensão à guerra.  O conflito também mudou muito desde o início. Moderados seculares hoje são superados em número por islâmicos e jihadistas, adeptos de táticas brutais que motivam revolta pelo mundo. O EI se aproveitou do caos e tomou controle de grandes áreas na Síria e no Iraque, onde proclamou a criação de um "califado" em junho de 2014. Seus integrantes estão envolvidos numa "guerra dentro da guerra" na Síria, enfrentando rebeldes e rivais jihadistas da Frente al-Nusra, ligada à Al-Qaeda, bem como o governo e forças curdas. Em setembro de 2014, uma coalizão liderada pelos EUA lançou ataques aéreos na Síria em tentativa de enfraquecer o EI. Mas a coalizão evitou ataques que poderiam beneficiar as forças de Assad. Em 2015, a Rússia lançou campanha aérea alvejando terroristas na Síria, mas ativistas da oposição dizem que os ataques têm matado civis e rebeldes apoiados pelo Ocidente. Há evidências de que todas as partes cometeram crimes de guerra - como assassinato, tortura, estupro e desaparecimentos forçados. Também foram acusadas de causar sofrimento civil, em bloqueios que impedem fluxo de alimentos e serviços de saúde, como tática de confronto. 

Novas definições -
 A definição básica de guerra como "duelo entre inimigos" não se aplica a todo conflito. Pode ser útil, por exemplo, para descrever a Guerra Fria entre Washington e Moscou desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a queda da União Soviética, mas é inútil para iluminar a variedade de forças e interesses em jogo na Síria.



 Nessa dinâmica particular de aliados e inimigos, os EUA estão em desacordo com a Rússia pelo destino do presidente Assad, aliado de Moscou que Washington deseja fora do poder. Há ainda uma inesperada aproximação entre EUA e Irã, países unidos pela aversão a extremistas sunitas, mas distanciados pelo apoio iraniano a Assad e à guerrilha libanesa Hezbollah, considerada organização terrorista pela Casa Branca. A Turquia, por sua vez, ataca posições de milícias curdas na Síria, as chamadas Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG), braço armado do Partido da União Democrática (PYD), aliado tradicional do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), perseguido há 30 anos na Turquia por buscar autonomia curda no país. Ao mesmo tempo, o governo turco mantém boas relações com o Governo Regional do Curdistão no Iraque (KRG), os peshmerga (forças armadas do KRG) e o Partido Curdo no Iraque (KDP). Enquanto isso, no teatro de operações na Síria e no Iraque, curdos turcos, curdos iraquianos e governo turco estão contra o EI. 

 


Papel da Turquia - 
Para Kerem Oktem, professor da Universidade de Graz, na Áustria, a estratégia turca é "simular que luta uma guerra o EI e perseguir outra meta, que é destruir o PKK". Cemil Bayik, líder do PKK, disse à BBC que a Turquia ataca forças curdas para evitar que combatam o Estado Islâmico. Ele diz acreditar - e há outras opiniões nesse sentido - que Ancara esteja protegendo o EI em vez de combatê-lo. Em julho de 2015, uma trégua entre o governo turco e o PKK foi interrompida após um atentado suicida em Suruc, povoado curdo em território turco, perto da fronteira com a Síria. Os curdos atribuíram o atentado, que deixou 32 mortos, a uma suposta conspiração entre Ancara e EI, algo que a Turquia nega. O general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831) uma vez definiu guerra como "mera continuação da política por outros meios". No confuso cenário militar sírio, no entanto, a violência que custou a vida de centenas de milhares de pessoas é a face visível e real do conflito. Políticas e interesses de governos por trás das forças que se enfrentam em terra são, muitas vezes, os pontos mais obscuros.


   16 fevereiro 2016

Quem luta contra quem na Síria

Conflito na Síria já deixou 200 mil mortos e 4 milhões de refugiados desde 2011 -
 Desde a explosão da violência na Síria, em março de 2011, a guerra passou por uma escalada até se converter em um complexo "todos contra todos" entre governo, rebeldes, radicais islâmicos e potências estrangeiras, que só se complicou com a entrada da Rússia no conflito. 
Mas esse não é um conflito fácil de destrinchar. A começar pelos números impressionantes. Mais de 200 mil pessoas morreram na guerra e, segundo cálculos da ONU, há até 4 milhões de refugiados: milhares deles protagonizam a mais recente crise migratória na Europa.
As tropas do presidente sírio, Bashar Al-Assad, lutam contra cerca de mil grupos rebeldes, que teriam 100 mil combatentes. Alguns com forte tendência extremista e com vínculos com a Al-Qaeda. Desde o começo de 2014, entrou em cena o grupo extremista autodenominado Estado Islâmico, enfrentando tanto o governo como os rebeldes, sejam radicais ou moderados.
Há ainda os Estados Unidos e seus aliados ocidentais, incluindo a França, e outros países com diferentes níveis de envolvimento: Irã, Turquia e nações do Golfo Pérsico. E agora a Rússia, que iniciou uma campanha de bombardeios, segundo o Kremlin, contra posições do Estado Islâmico.



A Rússia surpreendeu os EUA com sua intervenção na Síria -
Em setembro de 2014, o presidente Barack Obama anunciou sua intenção de "degradar e, em última instância, destruir" o EI. Assim começou uma campanha aérea no Iraque e na Síria, com apoio de Canadá, França, Reino Unido e vários países árabes. 
Recentemente, em uma cúpula sobre terrorismo nos EUA, Obama enfatizou a necessidade da saída de Assad do poder como condição para derrotar o EI. Disse ser preciso "um novo líder e um governo de inclusão que una o povo sírio na luta contra grupos terroristas". 


A mediação russa foi fundamental na resolução da crise das armas químicas no confronto, no final de 2013. Àquela altura, EUA e França discutiam a possibilidade de iniciar uma campanha de ataques com mísseis contra alvos do governo sírio, o que foi contido pela mediação de Putin. Nos últimos dias, a aviação russa lançou ataques em território sírio que surpreenderam as potências que já atuam na região. 
A Rússia parece ser movida pelo alto número de cidadãos de seu país - em particular os de repúblicas de maioria muçulmana como a Chechênia - que se juntaram ao EI, e pelo temor de consequências do eventual retorno desses radicais a seu país para realizar ataques. Embora os russos insistam em que seus ataques visam os "mesmos terroristas" que são alvo dos EUA, outros governos suspeitam que estejam atacando também rebeldes que combatem Assad. A Casa Branca já afirmou que os ataques russos são "indiscriminados" e afetam de forma aleatória a todos que se opõem ao governo sírio. 
 

Estados Unidos  - 
Opõe-se a: Bashar Al-Assad e Estado Islâmico (EI).
 Apoia: grupos rebeldes considerados moderados e os curdos.

Rússia -
Opõe-se a: Estado Islâmico e outros rebelde.
Apoia: Bashar Al-Assad.
O Kremlin tem sido um aliado consistente do regime de Assad, mesmo antes da guerra. A Síria é um importante comprador de armamentos da Rússia, e oferece ainda ao país a base naval de Tartus, única instalação russa no mar Mediterrâneo.


  Irã - Opõe-se a: Estado Islâmico e insurgentes sunitas,  Apoia: governo de Bashar Al-Assad
Uma das potências da região, o Irã é aliado histórico do governo de Assad, a quem fornece armas, apoio militar e financeiro.
"Acreditamos que os americanos estarão cometendo um erro sobre a Síria e definitivamente pagarão o preço se atacarem o país" disse o aiatolá Ali Khamenei,  líder supremo do Irã, em setembro de 2013. Para o Irã, a subordinação de Assad é chave para impor freio à influência de seu grande rival na região, a Arábia Saudita. Mas a potência xiita tem um inimigo comum com a Rússia e os EUA: o EI, milícia sunita que vê os persas como hereges que devem morrer. 

Arábia Saudita -
Opõe-se a: Bashar Al-Assad.   Apoia: rebeldes sunitas.
Potência sunita e grande rival do Irã, a Arábia Saudita integra desde o início a coalizão liderada pelos EUA para atacar o EI. Em recente cúpula em Nova York, o governo saudita reiterou a necessidade de retirar Assad do poder. O ministro de Relações Exteriores saudita, Adel al Jubeir, disse considerar a possibilidade de intervenção militar para derrubar Assad do poder. Ele alertou que, caso não haja acordo nesse sentido, está disposto a aumentar o envio de armas e o apoio dos rebeldes.
A Arábia Saudita é, sem dúvida, um dos fornecedores chave dos rebeldes, incluindo grupos mais linha dura. Riad nega a acusação do Irã de que esteja apoiando o EI diretamente, e já expressou sua preocupação sobre eventual influência dos radicais sobre movimentos de oposição ao regime saudita. Contudo, multimilionários sauditas já enviaram doações ao grupo extremista e calcula-se que cerca de 2,5 mil cidadãos sauditas tenham se incorporado ao EI. Também integram a coalizão liderada pelos EUA: Bahrein, Jordânia, Catar e Emirados Árabes Unidos, todos em linha com a atuação saudita.

Turquia
Opõe-se a: governo de Bashar Al-Assad e separatistas curdos.
 Apoia: coalizão liderada pelos EUA e rebeldes.
A Turquia, de maioria sunita, é outra potência da região. Seu envolvimento no conflito do país vizinho começou ao apoiar ao Exército Livre da Síria, um dos principais movimentos rebeldes contra Assad. O país acolheu vários opositores de Assad. E recentemente lançou ataques aéreos contra militantes curdos no norte do Iraque, perto da fronteira com a Síria. Os ataques haviam sido anunciados contra o EI, mas logo se soube que atingiam também os curdos, que também são inimigos do EI. Não se pode obrigar os sírios a escolher entre Assad e o 'Estado Islâmico'"


A batalha dos curdos contra o EI, que se dá sobretudo no Iraque, conta com apoio dos EUA. Embora as relações entre Turquia e Síria tenham sido amistosas ao longo dos anos, houve uma deterioração desde o início da guerra. O ponto de ruptura foi em junho de 2012, quando sírios derrubaram um caça turco.                                                                                                  20 novembro 2015                                                                 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151120_siria_entenda_tg

                                   

                                    A guerra civil da Síria

 Governo de Assad encara rebelião armada que já dura quase três anos. Conflito tem mais de 130 mil mortos, caos humanitário e crise de refugiados.                                       Do G1, em São Paulo

Homem anda sobre escombros em um local atingido por forças leais ao presidente da Síria, Bashar al-Assad, no distrito de al-Shaar de Aleppo. (Foto: Saad AboBrahim/Reuters)        Homem anda sobre escombros em um local atingido por forças leais ao presidente da Síria,                 Bashar al-Assad, no distrito de al-Shaar de Aleppo. (Foto: Saad AboBrahim/Reuters)

A República Árabe Síria enfrenta, desde março de 2011, uma guerra civil que já deixou pelo menos 130 mil mortos, destruiu a infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária regional. Quase três anos depois, as partes envolvidas e a comunidade internacional tentam fazer estabelecer em conjunto os termos para paz.
Uma segunda conferência de paz, chamada Genebra II, foi realizada em janeiro na Suiça. Entretanto, após mais de uma semana de negociações, houve poucos avanços. Uma nova rodada foi iniciada em 10 de fevereiro, terminando no dia 15 novamente sem decisões e com acusações mútuas entre governo e oposição. Uma terceira rodada será feita em data ainda não definida.
Mais de 2 milhões deixaram o país em busca de refúgio em nações vizinhas, aumentando as tensões entre os países vizinhos. Outros 4,25 milhões de sírios tiveram que se deslocar dentro do país devido aos combates. A situação sanitária se agrava, as organizações de ajuda não conseguem acesso a regiões inteiras do país, e a economia encolhe em meio aos combates.

 


O contestado presidente Bashar al-Assad, da minoria étnico-religiosa alauíta, enfrenta há quase três anos uma rebelião armada que tenta derrubá-lo do poder. No início, a rebelião, localizada na cidade de Daraa, tinha um caráter pacífico, com a maioria sunita - que se considera prejudicada pelo governo - e a população em geral reivindicando mais democracia e liberdades individuais, inspirados pelas revoluções da chamada "Primavera Árabe" iniciadas no Egito e na Tunísia.
Os manifestantes também acusavam o governo de corrupção e nepotismo. Em um episódio na cidade, crianças que pichavam muros teriam sido presas e torturadas, o que gerou revolta popular. Aos poucos, com a repressão violenta das forças de segurança, os protestos foram se espalhando pelo país e se transformando em uma revolta armada, apoiada por militares desertores e por grupos islamitas como a Irmandade Muçulmana, do Egito e radicais com o grupo Al-Nursa, uma "franquia" da rede terrorista da Al-Qaeda, com o objetivo de derrubar o regime.




Assad se recusou a renunciar, mas fez concessões para tentar aplacar os manifestantes. Ele encerrou o estado de emergência, que durava 48 anos, fez uma nova Constituição e realizou eleições multipartidárias. Mas as medidas não convenceram a oposição, que continuou combatendo e exigindo sua queda. A mediação de paz feita pela ONU, inicialmente com o ex-secretário-geral Kofi Annan e depois com o diplomata Lakhdar Brahimi, também vem fracassando. O regime argumenta que a rebelião é insuflada por terroristas internacionais, com elos com a rede Al-Qaeda, cujo objetivo é criar o caos, e que está apenas se defendendo para manter a integridade nacional.
Entre o fim de 2013 e o início de 2014, confrontos entre rebeldes islamitas e jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e Levante (EIIL, ligado à Al-Qaeda) deixaram milhares de mortos. Há a percepção, dentro e fora do país, de que os grupos jihadistas tentam "tomar conta" da revolta, o que dificulta a tomada de posição do Ocidente.
O conflito se generalizou pelo país e tem sido marcado por derrotas e vitórias militares dos dois lados, e pelo grande número de mortes.A fragmentada oposição síria tenta se organizar para uma possível tomada de poder, mas queixa-se de falta de apoio das potências ocidentais, que se mostram reticentes em entrar no campo de batalha.

Tensões no exterior

A guerra civil síria reviveu as tensões da Guerra Fria entre Ocidente e Oriente, por conta do apoio da Rússia ao regime sírio. Desde o início do conflito em março de 2011, os EUA se limitam, oficialmente, a oferecer apoio não letal aos rebeldes e a fornecer ajuda humanitária. Em junho, a administração Obama prometeu "apoio militar" aos rebeldes, embora tenha mantido certa indefinição sobre a natureza dessa ajuda. Os EUA tinham até pouco tempo atrás pouco apetite para intervir na região, por conta do envolvimento da Al-Qaeda, inimiga mortal dos americanos e autora dos atentados do 11 de Setembro de 2001.
A Rússia, que tem interesses econômicos e estratégicos na região, é a principal aliada do governo sírio. China e Irã também são importantes aliados do presidente sírio Assad. Ele também tem apoio do movimento xiita libanês Hezbollah.


Armas químicas

Em 21 de agosto, a oposição denunciou mais de mil mortos em um massacre com uso de armas químicas em subúrbios de Damasco controlados pelos rebeldes. Já havia relatos anteriores de uso de armas químicas pelo regime. O governo e o próprio Assad negaram as acusações, apesar de o Ocidente dizer ter provas em contrário. Observadores da ONU foram autorizados a irem até o local para investigar se houve uso de armas químicas. O incidente é considerado o mais grave com uso de armas químicas no planeta desde os anos 1980.

Após o ataque, aumentaram as conversas sobre uma possível intervenção internacional no país, liderada pelos EUA. No dia 31 de agosto, Obama fez um pronunciamento dizendo que decidiu que o país deveria adotar uma ação militar contra alvos do governo sírio, mas ressaltou que iria buscar a aprovação do Congresso norte-americano antes de fazê-lo. A oposição síria esperou ansiosamente o ataque americano, e emitiu comunicado dizendo que a ajuda deveria vir também em armas. Mas a Rússia mudou esse panorama dois dias depois, quando propôs um plano para acabar com as armas químicas da Síria. Obama, apesar do ceticismo em relação à proposta, aceitou a proposta. A Síria começou a colaborar com a Opaq (Organização para a Proibição de Armas Químicas), que lacrou os arsenais sírios e prepara-se para sua destruição. O trabalho rendeu o Prêmio Nobel da Paz à Opaq.

No dia 16 de setembro, a ONU divulgou o relatório sobre a investigação do ataque de armas químicas ocorrido em 21 de agosto nos subúrbios de Damasco. O documento confirmou que um grande número de pessoas morreu vítima de gás sarin na região de Goutha, na periferia da capital.
Os EUA afirmam que estão dando uma chance à diplomacia, mas que, se Assad não cumprir sua parte, a possibilidade de uma intervenção militar não está descartada.

 
Conferência de paz

No fim de 2013, Estados Unidos e Rússia, principais negociadores externos, acertaram a data de 22 de janeiro para a realização de uma conferência de paz chamada de Genebra II.  O encontro deseja tentar chegar a uma solução negociada para o conflito sírio. Devem se sentar na mesma mesa o regime e a oposição – o governo confirmou sua participação, mas descartou excluir o presidente Bashar al-Assad do processo de transição política no país em guerra civil, algo que é exigido por diversas partes.
Entretanto, nas semanas que antecediam a realização da conferência, a participação ou não de diversos países e partes envolvidas gerou polêmica. Alguns membros da coalizão opositora, com o Conselho Nacional Sírio (CNS) à frente, recusam-se a sentar-se à mesma mesa com representantes do regime de Damasco. A ONU chegou a convidar o Irã para participar, mas o chamado foi rejeitado pela oposição síria, pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita. O Irã, aliado do regime sírio, "nunca apoiou o comunicado de Genebra I", que pede um governo de transição na Síria, afirmou um funcionário de alto escalão do Departamento de Estado dos EUA.
Após a polêmica, a ONU retirou o convite ao Irã – o que foi criticado pela Rússia.

  http://g1.globo.com/revolta-arabe/noticia/2013/08/entenda-guerra-civil-da-siria.html
                                                                                                                    21/08/2013

Turquia: como derrotar as forças autoritárias

É urgente uma mobilização de solidariedade internacional. 

A reunião de forças sociais, políticas democráticas e progressistas é essencial para impedir a hegemonia de forças autoritárias, nacionalistas e conservadores reunidos em torno do partido AKP turco (Partido da Justiça e Desenvolvimento, em turco: Adalet ve Kalkınma Partisi, AK Parti ou AKP) e para permitir a defesa dos direitos democráticos e sociais mas também a paz e auto-determinação do povo curdo. Democratas e progressistas devem reiterar o seu apoio e solidariedade com a resistência e movimentos populares que estão empenhados em continuar essas lutas na Turquia e outras regiões do Oriente Médio e Norte da África.

Desde o fracasso do golpe de uma fração do exército, em julho de 2016, o governo turco prossegue sua própria contra ofensiva, fortalecendo seu poder autoritário e sua influência sobre as instituições turcas. Essa ofensiva fez com que mais de 125.000 pessoas fossem demitidas ou suspensas de seus cargos, 37.000 presas, enquanto 160 empresas e órgãos de mídia (jornais, revistas, sites) e mais de 1490 organizações não governamentais e associações locais, incluindo de direitos humanos, defesa de direitos de mulheres e crianças, fossem fechadas. Entre estas organizações e associações estão a Associação de Escritores Curdos, o KJA (Congresso do Livre Mulheres), associações de estudantes curdos, grupos de mulheres, entidades de advogados das mulheres, de familiares de desaparecidos e de prisioneiros curdos e outras que trabalham para a educação, para o reconhecimento e desenvolvimento da língua curda entre outras.

Em novembro, o governo turco também suspendeu e / ou fechou um grande número de organizações de mulheres como a MMM - Marcha Mundial das Mulheres cuja coordenação turca emitiu um comunicado: "O fechamento de associações de mulheres, neste período de violência contra as mulheres, onde a escalada de estupros e assédio sexual estão em constante crescimento, se não forem revertidas, são um ataque direto contra as mulheres, uma usurpação das realizações e trabalhos do movimento de mulheres". As universidades também têm sido privadas do poder de eleger seus próprios reitores; Erdogan agora pode nomeá-los diretamente dentre os candidatos indicados pelo Conselho Superior de Educação (YOK).

O autoritarismo do governo do AKP continua a crescer e a violência sobre toda a oposição democrática e progressista se intensificou. A mais recente ação repressiva do governo teve como alvo Selahattin Demirtas e Figen Yüksekdağ, dois co-presidentes do Partido Democrático Popular HDP (em turcoHalkların Demokratik Partisipartido político de esquerda da Turquia fundado em 2012, como braço político do Congresso Democrático dos Povos e outros nove deputados que foram presos pela polícia turca que também realizou ataques às instalações do HDP , em Ancara.

Em meados de novembro, a polícia turca prendeu três prefeitos do HDP no sudeste do país, acusados de ligações com o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão (em curdo: پارتی کار کهرانی کوردستان, Parti Karkerani Kurdistan, ou Partiya Karkerên Kurdistan), e  milhares de membros do HDP,  entre lideranças e parlamentares. Após o golpe a polícia turca prendeu o editor e vários jornalistas do Cumhuriyet (A República), principal jornal diário de oposição e bloqueou o acesso as redes sociais como o Twitter e WhatsApp.

Todas essas prisões foram feitas á partir da decretação do Estado de Emergência que foi prorrogado novamente por três meses, em 19 de outubro e a chamada "luta contra o terrorismo", que é uma maneira de atacar todos formas de oposição ao autoritário governo do AKP. Qualquer oposição ao Sultão Erdogan e ao governo do AKP é de fato considerado como o terrorismo.

O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, manifestou no dia 21 de Novembro a "solidariedade" da aliança com a Turquia após o golpe fracassado, acrescentando que a Turquia tem o "direito" de se defender. Ele acrescentou, no entanto, ter enfatizado às autoridades turcas que tais medidas devem ser tomadas no quadro do Estado de Direito.

 "Não vamos nos render" 

O HDP anunciou, em 6 de Novembro, sua decisão de retirar-se de qualquer atividade no parlamento turco para protestar contra o nível sem precedentes de repressão. A situação não impediu que as forças democráticas e progressistas, o HDP, organizações representativas de minorias, organizações de mulheres e sindicatos organizassem em Istambul no domingo, 20 de novembro, uma grande manifestação.

 A ofensiva reacionária 

 A Turquia continua a bombardear as regiões predominantemente curdas na Síria e continua a dirigir a intervenção militar e a apoiar os grupos armados da oposição síria. A prioridade turca é a luta contra a autonomia e o impedimento de qualquer expansão das forças curdas no nordeste da Síria. A Turquia emitiu, no dia 22 de novembro, um mandado de prisão contra o líder do partido curdo sírio Saleh Muslim. e de outras 48 pessoas, incluindo três líderes do PKK, Cemil Bayik, Murat Karayilan e Fehman Huseyin. Os mandados de prisão foram emitidos em função de um ataque com carro-bomba contra um comboio militar que provocou trinta mortes, no dia 17 de Fevereiro, em Ancara. O ataque foi reivindicado por um grupo dissidente do PKK. No entanto, o governo turco disse que o ataque foi planejado em conjunto pelo PKK e YPG. O líder do PYD, Saleh Muslim, e um dos líderes do PKK, Cemil Bayik, negaram as acusações.


 Joseph Daher 23 de novembro de 2016 in
https://syriafreedomforever.wordpress.com/2016/11/23/turquie-faire-echec-aux-forces-autoritaires/

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O que vende o MBL? (parte II)

                             
                                         "O discurso neoliberal implode a si mesmo, pois ao mesmo tempo em que  louva a livre concorrência, tem como regra básica solapar o concorrente. Não por outro motivo, o neoliberalismo é o irmão siamês do fascismo, pois ambos levam à barbárie. O absurdo se torna razoável: a mentira é dita “pós-verdade”; a perseguição insana é aplaudida; pouco falar e menos ainda dizer considera-se eloquência; a ignorância, antes signo de vergonha pública, agora é exibida; a negação do tempo necessário ao exercício crítico aparece como rapidez; simplesmente gritar é altivez; o gesto do dedo em riste que desnuda o autoritarismo se mostra como veste da coragem; difamar torna-se valentia; injuriar é a atitude recomendável; a perfídia é cultivada; a mediocridade louvada; a intimidação legitimada faz da violência recurso usual"...                                                 
                                                                                                        Por Fran Alavina – on 23/11/2016


                            No Paraná, confronto entre integrante do MBL (à esquerda) e professor que manifesta apoio à ocupação de escola secundarista

Esse texto é segunda parte do artigo “O que vende o MBL?”. 
Retomando a discussão: uma visibilidade violenta e deformada No primeiro momento deste artigo buscou-se desnudar as relações entre a precarização do “mundo político” e do “mundo do trabalho” que abrem um horizonte histórico no qual movimentos do tipo MBL são possíveis. Tal movimento opera no registro da política como negócio, cuja “mercadoria”, não material, mas simbólica, é a satisfação dos desejos e paixões na forma de participação em um grupo que reúne indivíduos de mesma “aspiração política”. 

Em grupos como o MBL, este agrupamento de indivíduos não opera com determinações de classe, não representam um grupo ou setor social determinado, definido, (pelo menos aparentemente), porém, usando de termos frouxos, por isso de fácil manipulação, como o termo Livre que adjetiva o movimento, pode se difundir sem amarras. Isto é, alcançar uma maior variabilidade de público: desde aqueles que já leram um pouco sobre liberalismo e neoliberalismo até àqueles proto-fascistas que querem apenas fazer do ódio o sentido de suas aspirações políticas. Odiar em grupo parece ser melhor que odiar sozinho: eis um dos mais lucrativos mecanismos passionais do grupo. Trata-se, pois, de orientar o ódio na direção mais lucrativa. Do lado dos que odeiam não pode haver distinções, a massa que odeia tem como único liame o reconhecimento de uma paixão violenta, tal como consumidores compulsivos que independentemente dos produtos consumidos se reconhecem tão somente na vontade de consumir.  Tais questões foram sintetizadas na pergunta título do primeiro momento deste artigo: “O que vende o MBL?”.

Agora que sabemos o que, de fato, vende o grupelho de discurso liberal e gestos proto-fascistas, antes de analisarmos os novos (des)serviços e mercadorias oferecidos pelo grupo no mercado político, cumpre não desconsiderar um dos aspectos mais determinantes do modo de atuação de seus mais notórios integrantes: a busca por visibilidade, violenta e deformada. Como efeito da concorrência estúpida e brutal proporcionada pela barbárie neoliberal, a visibilidade tornou-se não apenas uma questão empresarial e um nicho de mercado, mas também uma dimensão que incidindo diretamente sobre os afetos e desejos realiza uma mudança nos liames sociais, nos modos de constituição identitários. A formação de identidades, com efeito, passa necessariamente pela imagem que cada um tem de si, bem como pela imagem que os outros possuem de nós. Ora, apropriando-se dessa intrínseca necessidade subjetiva, a ideologia do empreendedorismo de si joga os indivíduos para uma busca desenfreada de visibilidade. Não se trata do que se vê, mais de como se é visto. Porém como todos querem ser vistos ao mesmo tempo, a visibilidade transformada em signo de reconhecimento social, a busca pela visibilidade gera um tipo de concorrência difusa, na qual se sai melhor quem alcança uma visibilidade perene. Os mais vistos serão então aqueles que forjarem novas formas de visibilidade, destacando-se daquelas comuns. Se no mercado da visibilidade todos são empreendedores de si, todos concorrem mutuamente, logo em concorrência assim tão absurda, reinam a estupidez e a insensatez, pois se rompem regras básicas de civilidade, os limites dos decoros sociais são esquecidos, posto que a concorrência desenfreada não enxerga tais limites. Tudo pode ser feito, tudo pode ser dito; desde que gere visibilidade. 



O outro nada mais é que um concorrente que deve ser eliminado, uma vez que também almeja visibilidade. O discurso neoliberal implode a si mesmo, pois ao mesmo tempo em que louva a livre concorrência, tem como regra básica solapar o concorrente. Não por outro motivo, o neoliberalismo é o irmão siamês do fascismo, pois ambos levam à barbárie. O absurdo se torna razoável: a mentira é dita “pós-verdade”; a perseguição insana é aplaudida; pouco falar e menos ainda dizer considera-se eloquência; a ignorância, antes signo de vergonha pública, agora é exibida; a negação do tempo necessário ao exercício crítico aparece como rapidez; simplesmente gritar é altivez; o gesto do dedo em riste que desnuda o autoritarismo se mostra como veste da coragem; difamar torna-se valentia; injuriar é a atitude recomendável; a perfídia é cultivada; a mediocridade louvada; a intimidação legitimada faz da violência recurso usual e preconceitos são ditos por bocas cínicas em rostos que não se ruborizam. Como poderiam se ruborizar, se os limites dos decoros sociais foram rompidos?



Tudo isto que se pode diagnosticar em nosso trágico e cruciante presente político, se expressa nos discursos e nas ações do MBL, pois se tratando de submeter tudo às regras do mercado, isto é, à lógica mercadológica neoliberal, a “ação política” também opera segundo tais parâmetros. Filhos diletos da precarização, sabemos que o “Livre” que adjetiva o grupo nada mais é que a liberdade de mercado, portanto a barbárie. Não basta ter o produto certo e conhecer o público alvo, é preciso visibilidade. É ela, a determinação estético-política de nosso tempo. “Se você não aparece, não vende”. Nesse âmbito, as redes sociais virtuais permitem que essa visibilidade seja feita sem grandes custos: basta um smartphone na mão e uma ideia na cabeça. Ademais, a visibilidade, filha da concorrência do empreendedorismo de si, deve propiciar excitação. Desse modo, o MBL forjou sua visibilidade no rastro das manifestações de junho de 2013, naquele momento em que as ruas foram cooptadas pelos discursos reacionários. De lá até aqui, o modo de atuação tem sido o mesmo. Perseguir, discursar com dedos em riste, espalhar boatos, operar com ofensas, gritar para se passar por corajoso e enfático. Foi assim nos domingos do golpe, assim sempre nos lugares e momentos que possam propiciar visibilidade.

Agora, a visibilidade está nas ações conjuntas com o governo ilegítimo e na intimidação das ocupações secundaristas. Uma vez garantida a visibilidade, sela-se a consolidação da marca no mercado. Consolidada a marca, os negócios se expandem. A terceirização da palavra e o fascismo como negócio: um governo gago e a “língua das ruas” Em artigo anterior (Foucault, as palavras e as coisas), abordamos aquilo que é possível considerar como sendo o âmbito linguístico do golpismo, o Golpe em sua dimensão discursiva: os usos e abusos dos termos, as usurpações de seus sentidos, bem como o cerceamento da livre da palavra. Com efeito, à medida que avança a agenda de maldades do (des)governo usurpador, o caráter linguístico e seus agentes tornam-se ainda mais evidentes, pois é no campo discursivo que se formam o consenso e a legitimidade: elementos que o (des)governo não possui. Logo, no âmbito das falas públicas feita pelo (des)governo e seus sequazes, a comunicação tornou-se uma trincheira singular. Como este governo é pobre de elementos constituidores de legitimação, sua fala pública nas ocasiões de maior visibilidade é sempre reativa. Isto é, não se trata de uma fala autônoma, mas de “respostas”. Nestas respostas, além do cinismo discursivo de tentar resignificar aquilo que outros disseram contra, nota-se também o nervosismo que é fruto do reconhecimento das próprias incapacidades. O símbolo máximo disto se deu logo no dia da posse, no modo destemperado da não aceitação do termo golpista. A tentativa de mostrar algum tipo de altivez demonstrou o quanto o homem que está investido da faixa presidencial desconhece os limites discursivos das boas falas públicas. Quem não está acostumado à fala pública, ao se deparar com a sua execução, se expõe a dois erros: ou gagueja, ou faz uso de uma fala impoluta, rica de artifícios gramaticais, mas pobre de expressividade. Quando estes dois erros convergem em uma mesma direção, como é o caso do atual presidente, apela-se para um discurso reativo que opera distorcendo o sentido e a legitimidade das falas contrárias. Foi assim quando ele comentou o discurso do papa Francisco, quando debochou dos trabalhadores que protestavam em Brasília, também foi assim quando tentou deslegitimar as ocupações secundaristas: sempre com um sorriso que pode ser encontrado na boca daqueles que estão suspensos entre o cinismo e a insegurança.

 Do reconhecimento das carências comunicativas do ilegítimo, o Planalto, como foi noticiado em setembro, recorreu ao MBL para “colaborar” no setor de comunicação. Como movimento que supostamente conhece a “língua das ruas” diz-se que poderá ajudar a tornar palatável o plano de maldades que se tenta implementar. Assim, o MBL aparece como detentor de uma nova mercadoria: a “língua das ruas”. O (des)governo, por carência comunicativa, terceiriza sua fala. É sintomático que um “governo” louvado em seu começo pelo uso correto do vernáculo, mais precisamente o elogio das mesóclises, esteja agora terceirizando a palavra. Sinal de suas fraquezas, por um lado; de fortalecimento dos movimentos proto-fascistas, por outro.

Aqui há, porém, uma confusão entre a “língua do MBL” e a “língua das ruas”.  A língua do MBL se pauta por uma delinquência discursiva que não é necessariamente a língua das ruas, mas que o MBL impulsionou nas e às ruas. A língua do movimento como já sabemos é uma delinquência discursiva que infringe os parâmetros de qualquer decoro social, portanto uma língua violenta que espetaculariza o próprio movimento e injuriando os adversários, os torna objeto de ódio. A língua do grito como forma e do destemperamento como conteúdo (características mais visíveis no vereador paulistano Fernando Holiday), portanto a língua do fascismo. Este fascismo que se expressa na língua do movimento, ou seja, na sua delinquência discursiva, já se configura em atos. A intimidação e o recurso à violência na tentativa de desocupar as escolas ocupadas no Paraná dão mostras que para o grupo se rompeu os limites entre a fala fascista e os atos fascistas. Nesse sentido, o MBL revela o que há de fascismo no (neo)liberalismo. Chegamos ao ponto que já não se trata mais de nos opormos a um discurso que reduz nossas vidas à perversidade do âmbito econômico, mas da oposição àqueles que tentam extirpar os últimos liames de civilidade que nos resta para jogar-nos na barbárie. Portanto, ao se ler MBL, entenda-se fascismo.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

30. MeMóRiA SiNDiCaL (VI)

          Vidas Curtidas, Vozes Dubladas e Sonhos Exportados 
A memória do setor coureiro-calçadista: os trabalhadores do setor nos anos 1970 e 1980


Em Novo Hamburgo, no sul do Brasil, mesmo para aqueles que viveram e testemunharam as últimas décadas, alguns acontecimentos históricos permanecem desconhecidos ou parecem muito distantes. É necessário refletir sobre isso, pois, aqueles que não compreendem o passado estão condenados a repeti-lo. “Uma vez como tragédia e outra como farsa”, diria o velho Karl Marx. O presente trabalho apresenta resultados de uma pesquisa cujo principal objetivo foi compreender de que forma ashistórias de vida e as narrativas biográficas podem (re)construir o passado e colocar o sujeito como centro da História.

A percepção que a comunidade de Novo Hamburgo construiu da história do setor coureiro-calçadista foi fortemente influenciada pelo Jornal NH, um periódico voltado para o desenvolvimento regional com foco nos acontecimentos e anseios da população do Vale dos Sinos. O Jornal NH é um dos protagonistas principais na árdua tarefa de reconstrução da memória do setor coureiro-calçadista nos anos 1970 e 1980 ao lado dos os trabalhadores individualmente e suas organizações associativas e sindicais, com suas lutas e publicações enquanto expressão coletiva dessa realidade. Também os empresários, os exportadores e os administradores públicos são construtores dessa história, mas sobre eles já existe pesquisa mais avançada e alguma literatura.

Foi justamente para desvendar e jogar luz sobre a participação dos trabalhadores nesse processo de construção ou reconstrução de memória que aceitei o desafio da pesquisa como bolsista de iniciação científica. Através de depoimentos, recuperamos testemunhos ignorados pela historiografia tradicional que nos dão uma visão com pontos de vista diferentes, ou até opostos, em relação aos discursos oficiais que contam a história do setor. Os depoimentos pessoais nos permitem captar o que as pessoas vivenciaram e experimentaram, resgatando o indivíduo como verdadeiro sujeito do processo histórico. Desta forma, a história contida e contada nas páginas do jornal NH, ao longo dos anos, pode ser comparada ao depoimento de alguns trabalhadores que estavam dentro das fábricas no
mesmo período.

Esses trabalhadores resgatam da sua memória a vinda para a cidade grande, a realidade do trabalho dentro das fábricas, o pleno emprego, as crises do setor, as relações com os sindicatos e suas mobilizações e as lembranças simples da vida numa cidade e numa região em pleno e anárquico desenvolvimento. Nos depoimentos, acompanhamos o surgimento dos bairros e vilas das cidades da nossa região e os inúmeros problemas provocados por esse crescimento desordenado. Enfim, através desses trabalhadores podemos ouvir e compreender a voz e o cotidiano, os problemas pessoais da vida dos sujeitos que fizeram parte da história do setor coureiro-calçadista. E tudo isso poderia ter sido infinitamente melhor, a vida dessas pessoas poderia ter se realizado de forma muito mais significativa e produtiva se elas não fossem mudas e invisíveis. Elas definitivamente não foram vistas, nem ouvidas por quem criou e difundiu a versão oficial da história do setor coureiro-calçadista na região.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Operação Condor: documentário



Em documentário, diretor brasileiro resgata atrocidades cometidas no âmbito da aliança entre países do Cone Sul - 
                                                                                       Por Marsílea Gombata — 
                                            publicado 22/08/2016 04h58, última modificação 22/08/2016 10h15


Desvendar a aliança entre países do Cone Sul que, com apoio logístico e financeiro dos  Estados Unidos, perseguiram, torturaram e mataram militantes de esquerda contrários aos regimes militares desses países é uma tarefa necessária para contar a história do continente. Não apenas para mostrar a confluência ideológica entre vizinhos, mas a maneira como a tomada de decisões – a exemplo da tortura pelas mãos do Estado – foram orientadas pelo governo americano.

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Martin Almada revelou nos 1990 o maior acervo documental já descoberto sobre a ditadura de Alfredo Stroessner no Paraguai (1954-1989) e a Operação Condor

Foi na tentativa de resgatar evidências e a complexidade da aliança que o cineasta Cleonildo Cruz viajou para Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Chile e Bolívia, onde pesquisou à exaustão documentos e realizou entrevistas com sobreviventes e parentes das vítimas. O resultado foi o filme Operação Condor – Verdade inconclusa, primeiro documentário a percorrer todos os países que compactuaram com os EUA.

Apesar de elogiar a Comissão Nacional da Verdade brasileira, Cruz observa em entrevista a CartaCapital que o Brasil ainda tem muito a esclarecer sobre a aliança, que simbolizou a atuação dos EUA por trás das ditaduras latino-americanas.

Cruz considera que estamos atrasados em relação aos nossos vizinhos no que diz respeito à responsabilização dos algozes do Estado. Repassar o passado, para ele, é o primeiro passo para compreender o presente e não repetir violações no futuro.

“Não podemos nos calar frente às arbitrariedades dos órgãos de repressão que praticam a criminalidade estatal”, diz. O filme, que foi lançado em novembro no Chile e teve pré-estreia em São Paulo, agora será exibido em nova sessão de pré-estreia no próximo dia 24, no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte.

CartaCapital: Como surgiu a ideia de fazer o documentário?

Cleonildo Cruz: Realizar Operação Condor – Verdade Inconclusa foi algo inexorável. 
Na condição de cineasta que é historiador, venho descortinando o regime militar no Brasil e não poderia fechar o ciclo sem tratar da Operação Condor para desvendar bastidores e verdades não reveladas da aliança político-militar entre vários regimes militares da América do Sul: Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Paraguai e Uruguai, com apoio logístico e financeiro dos EUA, formalizada em 1975, em Santiago do Chile.

É um complemento, ao lado do documentário Olhares Anistia, finalizado neste mês com a jornalista Micheline Américo. O filme revisitará o movimento de luta pela anistia, seus desdobramentos históricos e questões ambíguas durante a sua aprovação ambientada ainda na ditadura, em 28 de agosto de 1979, até sua recente polêmica validação pelo Supremo Tribunal Federal.



CC: Qual foi o processo para a execução do filme em termos de entrevistas e viagens?
CC: O processo foi denso e envolveu as etapas de pré-produção, produção e pós-produção, totalizando mais de 30 entrevistas. Realizamos várias pesquisas primárias e secundárias nos sítios históricos do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Chile e Bolívia. Tenho plena certeza que Condor é o melhor que temos na filmografia da América Latina sobre o tema. Além do componente da pesquisa histórica, temos o emocional, que é muito forte.

Buscamos documentos, relatos, ouvindo familiares e vítimas sobreviventes das torturas dentro da Operação Condor. Quando estamos frente a frente com cada um dos entrevistados, temos de ter controle emocional para ouvir, perguntar e conduzir a filmagem. Mas quando estamos na etapa de pós-produção não conseguimos segurar a emoção e choramos profundamente.

O filme é dedicado aos familiares latino-americanos que, com seus testemunhos, recompilam o que foi a Operação Condor: Aide Rita, Sara Basso, Elisa Cerqueira, Edgardo Binstock, Lilian Celiberti, Roberto Perdia, Andrés Habegger, Gustavo Molfino Giannetti, Julio Abreu, Alicia Cadenas Ravela, Elba Rama, Roger Rodriguez,Mateo Gutiérrez, Sofia Prats, Fran Uruguay, Macarena Gelmán, Martin Almada, Flor Hernandez Zazpe, Dora Careno, Laura Elgueta, Errandonea, Paulina Veloso e Juan Pablo Letelier.

CC: O que ainda falta ser esclarecido sobre a Operação Condor?
CC: Acredito que falta esclarecer a verdade sobre muitos latino-americanos sequestrados, torturados e assassinados, assim como seus restos mortais, para que suas famílias possam colocar um ponto final à história. Não restam mais dúvidas que a Operação Condor foi um pacto criminal dos regimes militares do países do Cone Sul.

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Imagem que representa morto e desaparecido político no 
Museu da Memória: Ditadura e Direitos Humanos, 
do Paraguai (Foto: Reprodução)

CC: Conhecer melhor a Operação Condor pode trazer que tipo de esclarecimento sobre o presente?
CC: Mostra que não podemos nos calar frente às arbitrariedades dos órgãos de repressão que praticam a criminalidade estatal ou pela omissão de órgãos designados para investigar e encaminhar os responsáveis à Justiça. Quando um agente do Estado comete arbitrariedades criminalizando movimentos sociais e prendendo inocentes está cometendo o mesmo crime hediondo que foi praticado nos porões da ditadura no Brasil.

CC: O quanto a Comissão Nacional da Verdade brasileira conseguiu avançar para desvendar o que ocorreu na Operação Condor, em sua opinião?
CC: A Comissão Nacional da Verdade é um órgão de governo estabelecido para determinar os fatos, causas e consequências de violações de direitos humanos sobre o passado recente. Mas muito falta a ser esclarecido sobre a Operação Condor.

Trago o exemplo do sequestro da argentina Noemí Molfino. Obtive acesso ao documento que revela que a ditadura brasileira participou do sequestro da militante no Peru em 12 de junho de 1980, que apareceu morta dia 19 de junho de 1980 em seu apartamento em Madri. A ação da Operação Condor envolveu o Brasil, e seu filho, Gustavo Molfino, espera até hoje uma resposta da Comissão Nacional da Verdade.

CC: Como enxerga as investigações de outros países da região em relação ao período ditatorial? Eles avançaram mais do que nós?
CC: O Brasil foi o último país a criar uma Comissão Nacional da Verdade. Só esse ponto explica o resultado de apenas esclarecer os fatos e resgatar a memória do que foi o regime civil-militar no País. Os outros países avançaram muito mais que nós. Talvez seja essa a explicação de não termos caminhado para a responsabilização dos agentes do Estado que praticaram a criminalidade estatal.

Vivemos um regime entre 1964 e 1985. Tivemos a Lei de Anistia 6.683 de 1979, a Constituição de 1988, e as leis 9.140/95 e 10.559/02, pela implantação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e da Comissão de Anistia. O conceito de justiça de transição, no entanto, vai muito além da busca pela verdade e memória, da reparação às vítimas do regime civil-militar.

Significa a responsabilização dos agentes do Estado que agiram criminalmente sequestrando, torturando, assassinando e ocultando os mortos. A Comissão Nacional fez a opção mais cômoda de apenas resgatar a verdade e a memória como política de Estado. É preciso caminharmos para uma justiça de transição efetiva e não apenas um resgate histórico.

A foto do cadáver desconhecido em Hermenegildo foi tirada pelo repórter fotográfico
Jurandir Silveira (CCJ) que consta do livro: "A ditadura de Segurança Nacional
no Rio Grande do Sul  (1964 - 1985): História e Memória Voll III:
                   Conexão Repressiva e Operação Condor"                Fonte consultada: http://goncalodecarvalho.blogspot.com.br/2014/03/lembrando-hermenegildo.html
CC: Além de aliados políticos, o que ganhavam os EUA apoiando governos de direita em nome da luta contra o comunismo?
CC: O controle hegemônico da política e economia do mercado de capitais da região. A interligação dos aparatos repressivos dos vários regimes militares da América do Sul (como Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Paraguai e Uruguai) não seria possível sem o apoio logístico e financeiro dos EUA. Embaixadas interligadas em comunicados permanentes, trocas de correspondências e monitoramentos. Tinham todos os movimentos da esquerda na América Latina monitorados. Era tempo da Guerra Fria, e a Doutrina de Segurança Nacional norteou a unificação dos aparatos repressivos de forma oficial em 1975.

É uma grande mentira dizer que essa relação dos EUA com as ditaduras na região se deu de forma mais efetiva após a oficialização da Operação Condor, em 25 de novembro de 1975. Os EUA gestaram em suas embaixadas todos os golpes militares dos países da América Latina, agindo além das suas fronteiras para desestabilizar as democracias.

CC: Qual a herança que nos deixa a Operação Condor? Como superá-la?
CC: Existe a herança do pacto criminal que foi a Operação Condor, que ainda hoje carregamos não só subjetivamente, mas com a prática do autoritarismo dentro das nossas corporações políticas e policias. É uma constatação de que os direitos humanos não são convertidos em política de Estado na América Latina.

FONTE:  Blog  https://cronicasdosul.com/2016/09/05/operacao-condor-documentario/

Outras notícias sobre o tema em:

http://www.cnv.gov.br/index.php/2-uncategorised/417-operacao-condor-e-a-ditadura-no-brasil-analise-de-documentos-desclassificados

https://cronicasdosul.com/2016/09/05/operacao-condor-documentario/

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O que vende o MBL (Movimento Brasil Livre) ?

 
Renan Santos e Kim Kataguiri exibem crachás de circulação livre pela Câmara dos Deputados
Renan Santos e Kim Kataguiri exibem crachás de circulação livre pela Câmara dos Deputados
Este artigo se divide em dois momentos. No primeiro, que agora apresentamos, se faz a exposição do mundo de sentido histórico, ou melhor, de um momento em que os sentidos históricos são reduzidos, possibilitando o aparecimento de grupos como o MBL (Movimento Brasil Livre): trata-se da lógica da terceirização, que se faz de modo predatório no plano dos afetos políticos, ou seja, da precarização dos liames que sustentam o âmbito político.

a) Os meios e os fins: os filhos diletos da precarização
Em momentos históricos conturbados, nos quais os termos de uma gramática política progressista e de resistência são esgarçados na medida em que são usurpados pelos discursos do retrocesso, torna-se sinuoso e difícil traçar linhas de compreensão, pois tudo parece fora dos limites da razoabilidade. Quanto mais os retrocessos buscam avançar, tudo parece cada vez mais menos razoável: tempos onde o absurdo parece ser a normalidade, exigir razoabilidade soa como desatino. Regido pelo golpismo como forma social difusa, o trágico momento da vida nacional exige um esforço continuado para que se possa entendê-lo. Este esforço para não nos entregarmos à regência do absurdo também exige novidade teórica: novos problemas não são debelados por velhos remédios. Do contrário, continuaremos com “placebos” que além de ineficazes, prejudicam a formação de um bom diagnóstico; e, sem este, não se pode iniciar qualquer bom movimento crítico.

Ora, a criatividade que possibilita a novidade teórica e que pode nos abrir novas vias de compreensão, ao que parece, pode começar em não se prender a limites rígidos entre esferas diferentes. Não se trata tanto de ter medo de misturar, mas de não isolar. “Ecletismos frouxos” são tão ruins quanto “isolacioanismos duros”. Assim, antes que possamos passar ao núcleo deste artigo, a saber, de que o MBL (Movimento Brasil Livre) enquanto organização é a expressão atual mais acabada da precarização do político, isto é, da redução da esfera pública e dos liames coletivos, deve-se compreender o mundo de sentido histórico que possibilita este tipo de organização por meio da relação com o mundo do trabalho, particularmente com a difusão do processo de terceirização. Ao fim veremos que esta organização estruturada segundo a lógica neoliberal atualmente se apresenta como entidade que presta “serviços terceirizados” ao governo: o que, por um lado, demonstra a fraqueza do governo ilegítimo; e, por outro, aponta para o avanço de caracteres fascistas.

Pensando por uma analogia, verossímil e frutífera, relacionando o mundo da política e o mundo do trabalho, tem-se que a “atividade-fim” do poder é continuar ser poder, isto é, manter-se enquanto força de domínio capaz de coagir para realizar a gestão das pessoas e das coisas. Esta gestão pode ser feita de modo multifaceado, e quanto mais, melhor é, pois quanto mais o poder exercer seu mando sem parecer fazer de modo violento, mais se reforça. Trata-se então dos meios pelos quais o poder vigente se utiliza para manter-se enquanto tal. Com efeito, nem todos os meios utilizados podem ser geridos diretamente pelo poder que, por isso, delega parte de suas atividades que, por princípio, é cabível somente a ele. Delegar poder, ao mesmo tempo em que pode implicar um reforço do poder, pois só delega quem tem autoridade para tal, pode significar também um enfraquecimento, pois desconcentrado se enfraquece, isto é, utilizando meios que não estão mais complemente sob seu domínio, corre o risco de ser sabotado. Assim, sendo o fim do poder continuar ser poder, o meio utilizado para tal não pode enfraquecê-lo, isto é, a “atividade meio” não pode comprometer a “atividade fim”. 
Em um primeiro momento, o âmbito político foi sucumbindo ao discurso neoliberal: era a fase em que a máquina pública deu lugar aos privatismos sob a égide da ideologia da gestão eficiente. O Estado assumia perante a “opinião pública” sua incapacidade de gerir atividades que antes se consideravam indelegáveis a terceiros. À medida que cedeu terreno, isto é, delegou atividades, logo delegou poder, se enfraqueceu, de modo que agora delega aspectos institucionais primários, como, por exemplo, o uso público da palavra. A precarização da máquina estatal traz em seu bojo a precarização do político em seu sentido mais amplo: o encolhimento da esfera pública também em seus aspectos simbólicos e afetivos. Por isso, em meados dos anos 90, quando o privatismo mostrou sem pudores seu cinismo, não víamos movimentos ou organizações análogos ao MBL, pois apenas o aparelho midiático era suficiente para garantir o avanço do consentimento público da lógica neoliberal. Mas, como é da natureza do neoliberalismo fazer de tudo, da religião aos medos coletivos, um negócio lucrativo, agora o discurso que quer o encolhimento máximo do Estado está acrescido da transformação da manifestação política em negócio. Justamente pela perda das características eminentemente políticas da manifestação pública, a precarização não é apenas material, do aparelho estatal, mas se trata da precarização do próprio sentido do político

Dessa maneira, se estamos no âmbito da precarização do político, no qual os posicionamentos e as manifestações públicas tornam-se negócios, não resta senão indagar: O que vende o MBL? Quem quer que entre no site desta “organização política” terá a sensação de estar entrando em uma loja de variedades: ao lado de links que dão acesso a textos, sempre com manchetes que exploram algum tema “da vez”, é possível comprar de tudo: de blusas a canecas. Tudo anunciado com uma apelação emocional e direta: “Não deixe o MBL acabar!! Compre nossos produtos!!”. Esta apelação direta e emotiva que segue as peças publicitárias ao quais somos expostos todos os dias, cuja lógica é dizer tudo diretamente, porém não falar tudo, supõe a “necessidade” do movimento, que não “pode acabar”. Mas, isto não é dito diretamente ao “consumidor”. Ser direto, segundo querem nos fazer crer as estratégias publicitárias, é o mesmo que dizer tudo. Os produtos, ressalte-se que de gosto duvidoso a qualquer um que já tenha tido um contato mínimo com os textos clássicos de estética filosófica, estão na seção denominada: “Loja MBL”. Ao entrar nesta seção, a sensação de estar em uma loja de variedades é substituída pela certeza de se adentrar em uma galeria do kitsch político. Todavia, essa divisão entre a “loja virtual” e o restante do site, que por sua vez não teria conteúdo mercadológico, mas político, é apenas aparente. O produto de ponta oferecido não são as “bugigangas” que levam o nome do grupo. O MBL vende algo mais valioso. Esta mercadoria mais valiosa é a própria política. A precarização da política a torna mercadoria manuseável como qualquer produto destinado ao consumo.

Desse modo, enquanto o simulacro público do grupo se pauta na imagem de organização política, seu modus operandi é essencialmente econômico. Seguindo a via iniciada pelo privatismo, trata-se de vender aquilo que antes não se vendia. A transformação da saúde e da educação em serviço, deixando, pois, de ser direito, tem seu par equivalente de semelhança na venda do imaginário, da participação política, da sensação de pertencimento, em suma, na venda dos afetos e desejos políticos, de modo que o site do grupo nada mais é que uma vitrine. Na seção do site denominada “Participe”, são vendidos “Planos” para aqueles que desejam associar-se ao movimento. Tais planos, obedecendo a uma estratégia criativa, embora pobre, possuem os, no mínimo risíveis, nomes de: “Agente da CIA” (o mais barato), “Irmãos Koch” e, coincidência ou não, o mais caro chama-se “Mão Invisível” (pobre Adam Smith, vítima do business predatório de seus seguidores). Ativismo político ao seu alcance, basta pagar! Só em tempos de precarização dos sentidos políticos, grupos que se definem como “organização de ativismo político” vendem participações efetivas em seus próprios quadros. Também é oferecida consultoria, para que se possa abrir “franquias” do movimento, de tal modo que não fica claro o que é político e o que é negócio. Alguma contradição, para um grupo que se evidenciou no bojo dos discursos anticorrupção? Ali tudo se passa na mimetização da oportunidade única dos feirões Black Friday, que são os momentos em que os picos de excitação do consumo atingem seus níveis mais elevados, quem não comprar os planos ficará de fora, segundo a expressão de um dos textos do site, desse “momento excitante do país”.


Caso típico neoliberal: a redução do político ao econômico. Novo nicho de mercado, no qual a mercadoria é a participação política; a clientela: os segmentos mais reacionários, que são também os mais consumistas. E, por fim, não poderia faltar, um garoto propaganda: jovem (pois a estratégia atual difusa pelo mundo do consumo alia consumismo e juventude), “aguerrido”, de fala fácil, visual descolado e gestual que mimetiza a inexpressividade das linguagens comerciais. Tal como no âmbito do consumismo predatório, não se vendem produtos, mas sonhos e satisfações. Em outras palavras, compra-se status e visibilidade. Vendem o desejo da participação política e transformam em negócio a condição humana primaz de fazer parte de uma coletividade engajada. Ora, o consumismo enquanto realidade não apenas material, mas também simbólica, agora, passa a operar mais ainda com a gestão lucrativa do campo afetivo-passional, neste caso, em seu aspecto mais eminentemente político.
O MBL é o exemplo expressivo de como se pode obter um regime lucrativo de compra e venda de aspirações e desejos políticos. Por isso, os “meninos” do MBL são os filhos diletos da precarização, porque conseguem fazer dela um negócio. Bons alunos da cartilha neoliberal que enxergaram aquilo que o momento propiciava. Filhos da precarização do político fazem disso o seu negócio, travestindo-se de puro ativismo político. E quanto maior a precarização, maiores as oportunidades de negócios. Isto lhes propicia o atual governo dos ilegítimos, logo passam a prestar “serviços terceirizados” a tal governo: terceirização da palavra e terceirização da força. Questões abordadas na próxima parte deste artigo.

             FONTE: