João Jorge e Jacobina Maurer

João Jorge e Jacobina Maurer

I m A g E m

I m A g E m
O Velho do Espelho

"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
quem é esse que me olha e é
tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus,Meu Deus...Parece meu velho pai -
que já morreu"! (Mario Quintana)

P E S Q U I S A

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O modelo Rojava

Como a Síria governa os curdos



Um novo modelo de organização social está tomando forma nas áreas curdas no norte da Síria. Rojava, como ficou conhecida, compreende três cantões na seção ocidental da histórica terra natal do povo curdo, que está agora dividida entre Irã, Síria, e Turquia.No que diz respeito a igualdade social, pluralismo étnico, e anti-sectarismo, o território é uma região sem igual. Esse é especialmente o caso quando falamos dos avanços das mulheres.



A atenção pública do ocidente deu um giro de 2014 a 2015, quando as milícias territoriais, as Unidades de Proteção do Povo (YPG) e as Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ), tiveram um papel central na expulsão do Estado Islâmico, ou ISIS, de Kobane, uma cidade no noroeste da Síria. 
Observadores destacaram duas características do grupo: primeiro seu sucesso contra o ISIS, que as forças de segurança dos EUA e das forças de oposição Síria se esforçaram para derrotar, e segundo, o protagonismo das lutadoras femininas em suas fileiras.



Desde a Segunda Guerra Mundial, guerrilhas femininas fizera parte de lutas armadas ao redor do mundo. Mesmo a maior parte dos grupos militantes alistaram mulheres pois precisavam de soldadas, não porque desejaram empoderar as mulheres, e poucos tem priorizado tanto a igualdade das mulheres como os curdos da Turquia e da Síria. A ênfase do Curdistão sírio sobre o papel de liderança das mulheres, no entanto, não se limita ao plano militar. Isso é definido pelos Curdos Sírios como uma visão societal mais ampla. Quarenta por cento dos membros da sociedade civil ou de qualquer órgão social em Curdistão sírio têm que ser de mulheres.


 Da mesma forma, todos os órgãos administrativos, projetos econômicos e organizações da sociedade civil são obrigadas a ter homens e co-presidentes do sexo feminino.Embora o Partido da União Democrática (PYD) seja dominante em Rojava e os curdos são a maioria da sua população, Rojava é o lar de uma série de outros partidos políticos e etnias. É a única sociedade em sua região, que baseia-se nos pontos fortes de toda a sua população. Como é que as mulheres conseguiram ganhar tanto poder no meio de uma guerra pela sobrevivência?

 Uma exceção regional

A história começa na Turquia em 1978, quando o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) foi fundado para criar um Estado independente curdo. Nos primeiros anos de sua insurgência contra o governo turco, o PKK foi dirigido principalmente por guerrilheiros do sexo masculino. Mas isso mudou na década de 1990.Quando a resistência civil curda mais ampla emergiu nas cidades turcas e os ativistas curdos começaram a pressionar para ter um partido de representação no parlamento, o Partido Trabalhista Popular (HEP).



Em ambos os empreendimentos, as mulheres serviram como líderes. Leyla Zana, uma ex-integrante do HEP, continua atuando no parlamento da Turquia. Em 1993, de acordo com a jornalista Aliza Marcus, um terço dos novos membros do PKK eram mulheres; muitas delas recrutadas por Sakine Cansiz, uma de suas fundadoras. Em 1995, o PKK formou um exército de mulheres, que agora é chamado de YJA-Estrela. A resolução que cria o exército deixou claro que iria servir como um modelo para outras organizações de mulheres “em todos os setores da economia, todas as instituições sociais, e até mesmo no campo da cultura.”




A decisão foi particularmente notável pelo fato de que, na área rural do Curdistão, a subordinação do pensamento das mulheres, tal como as práticas misóginas como os chamados assassinatos de honra, reclusão imposta, e os casamentos de crianças tinham sido a norma. Para muitas mulheres curdas, deixar suas famílias para se juntar a um grupo insurgente foi uma enorme ruptura com a tradição patriarcal. Mulheres guerrilheiras foram pioneiras do movimento de libertação das mulheres como uma sociedade dentro da sociedade curda.

Alguns dos líderes de Rojava, tais como os co-presidentes do PYD: como o muçulmano Salih, foram originalmente membros sírios do PKK, e muitos dos ideais que têm sido postos em prática em Rojava foram testados na Turquia. Desde a fundação do PYD em 2003, a libertação das mulheres tem sido parte do programa do partido. Tal como na configuração da Estrela-Yekitiya, seu braço de organização para as mulheres, em 2005. Em 2012, como o presidente da Síria, Bashar al-Assad retirou suas tropas da maior parte do norte da Síria e dos cantões, Rojava tornou-se efetivamente autônoma e os membros do PYD começaram a se organizar de maneira mais vigorosa, tornando a defesa das mulheres uma parte integral de sua guerra contra o ISIS. A organização logo começou a recrutar novos membros de outros grupos étnicos da região, tratando de incluir assírios, árabes e Yezidis.

O grupo que mudou seu nome para Estrela de Kongreya no início deste ano, se descreveu como uma organização guarda-chuva para o movimento das mulheres de Rojava. Em nível local, a Estrela de Kongreya compreende um número de organizações, conhecidas como a comuna das mulheres, que operam em paralelo às comunas de sexo misto, que organizam tais assuntos como a alocação de energia e o uso do espaço público.O foco das comunas de mulheres sobre a violência doméstica, casamento forçado, e saúde das mulheres e programas econômicos, entre outras coisas; em muitos casos, podem se sobrepor aos seus parceiros organizacionais de sexo misto.




Estrela de Kongreya no nível mais alto organiza comitês em cinco áreas: educação, especialmente educação de adultos e aulas de literatura; saúde pública, incluindo clínicas especializadas para mulheres; economia, incluindo a manutenção de cooperativas; resolução de disputas em comunidades, que inclui mediação e manutenção de abrigos para vítimas de violência doméstica; e defesa de cidadãos, que é central para a plataforma do PYD e especialmente para Estrela-Kongreya. Há três forças de defesa de mulheres em Rojava, a YPJ, que luta contra inimigos externos tais como o ISIS; as forças de segurança locais; e as forças de defesa civil atreladas às comunas, que lidam com a segurança da vizinhança, incluindo casos de violência contra as mulheres.

 Autonomia e democracia 

O crescimento da influência de mulheres no Curdistão Sírio é parte central da transformação mais ampla da política curda ali e na Turquia. Ao contrário dos curdos iraquianos, os curdos sírios e turcos afastaram-se do nacionalismo. Eles buscam autonomia local ao invés de um arranjo federal. A ideia de longo prazo é a de assegurar a democracia, constituições democráticas que garantam uma autonomia local extensiva e protejam os direitos humanos.

Abdullah Ocalan
(Esta mudança foi executada em paralelo com a evolução ideológica do líder do PKK preso, Abdullah Ocalan, um ex-militante que agora é um defensor do que ele chama de Confederalismo Democrático.)

À luz da atual turbulência da região, a visão de Rojava para uma feminista, de uma sociedade diretamente democrática, pode parecer irrealista. No entanto, o fracasso das negociações para acabar a guerra civil síria mostrou a capacidade limitada da diplomacia para pôr fim a conflitos inflamados por atores não-estatais e financiados por potências externas, e em décadas recentes, tem havido alguns modelos políticos nas cercanias do Curdistão que oferecem muito mais uma promessa para o igualitarismo e paz como a que os curdos chamam de autonomia democrática. 

Até agora, os Estados Unidos têm tratado os curdos sírios como um aliado militar de curto prazo e dado a eles apoio militar, mas não apoio político ou econômico ostensivos; Washington não insistiu para eles tomarem parte nas conversações de Genebra para acabar com a guerra na Síria. Esta abordagem é um erro. Desde os anos 1990, os Estados Unidos tem se posicionado como um defensor das mulheres e minorias sexuais. Os curdos sírios estão praticando uma forma de democracia que consagra a igualdade de género e se opõe noções de soma zero de étnico e direitos nacionais. Dado os compromissos que assumiu, os Estados Unidos deveriam estar dispostos a apoiar esses fins. 


 Meredith Tax 
Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda
https://resistenciacurda.wordpress.com/2016/10/28/o-modelo-rojava-meredith-tax/
            Esse artigo expressa a visão da autora e não necessariamente está de acordo com os                  Comitês de Solidariedade à Resistência Popular Curda.


 Tradução ao português: Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda – RJ  (Esse artigo foi primeiramente publicado no website Foreign Affair e tem sido reproduzido com a permissão da autora.)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Blowin' In The Wind (Soprando no vento)

Quantos ouvidos um homem deve ter pra poder ouvir as pessoas chorarem? 
E quantas mortes ainda serão necessárias para que se saiba Que pessoas demais morreram?

  
How many roads must a man walk down 
Quantas estradas deve um homem percorrer 
Before you can call him a man? 
Pra poder ser chamado de homem? 

 How many seas must a white dove sail 
Quantos oceanos deve uma pomba branca sobrevoar
 Before she sleeps in the sand?
 Pra poder dormir na areia? 

 Yes, and how many times must cannonballs fly 
Sim e quantas vezes as balas de canhão devem voar 
Before they're forever banned? 
Antes de serem banidas pra sempre?

 The answer, my friend, is blowin' in the wind 
A resposta, meu amigo, está soprando no vento
 The answer is blowin' in the wind 
A resposta está soprando no vento 

 
 Yes, and how many years can a mountain exist 
Sim e por quantos anos uma montanha pode existir
 Before it's washed to the seas (sea) 
Antes de ser lavada pelos oceanos?

 Yes, and how many years can some people exist 
Sim e quantos anos algumas pessoas devem existir
 Before they're allowed to be free?
 Antes de poderem ser livres? 
 
Yes, and how many times can a man turn his head
 Sim e quantas vezes um homem pode virar a cabeça 
And pretend that he just doesn't see?
 Fingir que não vê 

The answer, my friend, is blowin' in the wind 
A resposta, meu amigo, está soprando no vento
 The answer is blowin' in the wind 
A resposta está soprando no vento



 Yes, and how many times must a man look up 
Sim e quantas vezes um homem deve olhar pra cima 
Before he can see the sky? 
Antes de conseguir ver o céu? 

Yes, and how many ears must one man have 
Sim e quantos ouvidos um homem deve ter 
Before he can hear people cry? 
Pra poder ouvir as pessoas chorarem? 

Yes, and how many deaths will it take till he knows 
Sim e quantas mortes serão necessárias até ele saber 
That too many people have died? 
Que pessoas demais morreram? 

The answer, my friend, is blowin' in the wind 
A resposta, meu amigo, está soprando no vento
 The answer is blowin' in the wind 
A resposta está soprando no vento   (Bob Dylan)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Como a ditadura ensinou técnicas de tortura à Guarda Rural Indígena

Aquele 5 de fevereiro de 1970 foi um dia de festa no quartel do Batalhão-Escola Voluntários da Pátria, da Polícia Militar de Minas Gerais, em Belo Horizonte. "Pelo menos mil pessoas, maioria de civis, meninos, jovens e velhos do bairro do Prado, em desusado interesse", segundo reportagem da revista "O Cruzeiro", assistiram à formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena (Grin). 

Segundo a portaria que a criou, de 1969, a tropa teria a missão de "executar o policiamento ostensivo das áreas reservadas aos silvícolas". No palanque abarrotado, viam-se, sorridentes, autoridades federais e estaduais, civis e militares: o ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti (um dos signatários do AI-5, de 13 de dezembro de 1968); o governador de Minas, Israel Pinheiro; o ex-vice-presidente da República e deputado federal José Maria Alkmin.

Os 84 índios, recrutados em aldeias xerente, maxacali, carajá, krahô e gaviões, marcharam embandeirados e com fardas desenhadas para a ocasião: calça e quepe verdes, camisa amarela, coturnos pretos, três-oitão no coldre. Feito o juramento à bandeira, quando prometeram "defender a nossa Pátria" (conforme registrou reportagem publicada pela Folha), desfilaram para mostrar o que aprenderam nos três meses de formação, sob as ordens do capitão da PM Manuel dos Santos Pinheiro, sobrinho do governador e chefe da Ajudância Minas-Bahia, o braço regional da Funai. 

JUDÔ A primeira apresentação, de alunos de judô do tradicional Minas Tênis Clube, deu um ar benigno de confraternização infantil. Depois das crianças, foi a vez de os índios --todos adultos-- exibirem seus conhecimentos de defesa pessoal. Também "deram demonstração de captura a cavalo e condução de presos com e sem armas", conforme publicaria o "Jornal do Brasil" no dia 6, com chamada e foto na primeira página, sob o título "Os Passos da Integração".   

 

O que nenhum órgão de imprensa mostrou --eram tempos de censura-- foi o "gran finale". Os soldados da Guarda Indígena marcharam diante das autoridades --e de uma multidão que incluía crianças-- carregando um homem pendurado em um pau de arara. Gravadas há 42 anos, as cenas vêm a público pelas mãos do pesquisador Marcelo Zelic, 49, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Zelic coordena uma pesquisa colaborativa feita pela internet intitulada "Povos Indígenas e Ditadura Militar: Subsídios à Comissão Nacional da Verdade".                                                                                                 

ARARA Pesquisando no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, Zelic topou com o DVD "Arara", fruto da digitalização de 20 rolos de filme 16 mm, sem áudio. A etiqueta levava a crer que se tratava de material sobre a etnia arara --índios conhecidos nas cercanias de Altamira (PA) desde 1850. Mas, em vez do "povo das araras vermelhas", como se denominam até hoje seus 361 remanescentes (dados de 2012), era outra "arara" que nomeava a caixa. Tratava-se de pau de arara, a autêntica contribuição brasileira ao arsenal mundial de técnicas de tortura, usado desde os tempos da colônia para punir "negros fujões", como se dizia. Por lembrar as longas varas usadas para levar aves aos mercados, atadas pelos pés, o suplício ganhou esse nome. 

No clássico "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil" (1835), que retrata a escravidão no país, o pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), membro da Missão Francesa de artistas e cientistas que dom João 6º patrocinou para estudar e retratar o país, mostra um negro sendo castigado no pau de arara. Na ditadura militar (1964-85), porém, o pau de arara só aparecia sob a forma de denúncia, estampando jornais alternativos, em filmes e documentários realizados por militantes oposicionistas. Entranhada nos porões, a tortura jamais recebera tratamento tão alegre e solto quanto naqueles 26 minutos e 55 segundos, que exibem o pau de arara orgulhosamente à luz do dia, em ato oficial, sob os aplausos das autoridades e de uma multidão de basbaques. Fotógrafos e cinegrafistas cobriram o evento, mas a cena, que assusta pela imprudência, ficou de fora dos jornais e das revistas. Sobrou, ao que se saiba, apenas camuflada sob o título inocente.  
                                                                                          
O filme é parte do acervo sobre 60 povos indígenas, coletado durante quatro décadas pelo documentarista Jesco von Puttkamer (1919-94) e doado em 1977 ao IGPA (Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Descendente da nobreza alemã, mas nascido no Brasil, Von Puttkamer sabia o que era a repressão. Foi preso pela Gestapo quando concluía os estudos em química na Universidade de Breslau (Alemanha), por se recusar a se alistar no Exército durante a Segunda Guerra (1939-45). Safou-se ao provar que era cidadão brasileiro nato. Trabalhou como fotógrafo no Tribunal de Nuremberg (1945-46), que julgou hierarcas nazistas por crimes de guerra. 
Já de volta, foi um dos fotógrafos oficiais da construção de Brasília (1956-60). Nos anos 1960, integrou pela primeira vez uma expedição em busca de tribos isoladas no Brasil central. Nunca mais largou os índios. Deixou 43 mil slides, 2.800 páginas de diários de campo e filmes na bitola 16 mm que, desenrolados, chegariam a 330 km. São registros delicados e muitas vezes emocionantes da aproximação dos índios e de seu encontro com as frentes de exploração - e também das epidemias e mortandades por gripe, varíola e sarampo. Em um documentário sobre Von Puttkamer, o sertanista Apoena Meirelles afirma: "Jesco nunca se promoveu, nunca enriqueceu, permaneceu no anonimato, mas seu trabalho possibilitou que se denunciasse e se documentasse muita coisa errada da política indigenista". É o caso das aulas de pau de arara. 
GRIN A formatura foi o ponto alto de uma longa preparação. Em 23 de novembro de 1969, reportagem no "Jornal do Brasil" mostrou os índios da Grin em sala de aula e contou o que aprendiam: princípios de ordem unida, marcha e desfile, instruções gerais, continência e apresentação, educação moral e cívica, educação física, equitação, lutas de defesa e ataque, patrulhamento, abordagem, condução e guarda de presos. Em 12 de dezembro de 1969, nota no Informe JB, coluna política do "Jornal do Brasil", fazia troça de tipo racista dos "selvagens": "O presidente da Funai, Queirós Campos, dizia que a Guarda Indígena vai de vento em popa. Só há um problema, o do uniforme. Começa que não há jeito de fazer com que os futuros guardas usem botina ou qualquer tipo de sapato, [...] machuca-lhes os pés. O quepe já perdeu toda a tradicional seriedade porque é logo enfeitado com uma pena atravessada. Finalmente, a fivela e os botões não param no lugar certo pois, como tudo o que brilha, são invariavelmente colocados na testa e nas orelhas." Na formatura, porém, botas, fivelas e botões tiniam, tudo no lugar e sem penachos ""o filme mostra o capitão Pinheiro se desdobrando para ajeitar os cintos dos soldados. A ressalva foram os cabelos: não houve quem convencesse os krahô a aparar as melenas que lhes desciam até os ombros. 

E assim eles desfilaram. O ministro Cavalcanti discursou em nome do presidente Emílio Garrastazu Médici: "Nada até hoje me orgulhou tanto quanto apadrinhar a formatura [...] da Guarda Indígena, pois estou certo de que os ensinamentos recebidos por eles, neste período de treinamento intensivo, servirão de exemplo para todos os países do mundo". No dia seguinte, "os índios líderes, hígidos, sadios, fortes e inteligentes", segundo Cavalcanti, embarcaram rumo a suas respectivas aldeias. Decolaram fardados, armados e com soldo mensal de 250 cruzeiros novos (pouco mais de R$ 1.000, em valor atualizado). 

ANTROPOLOGIA "Nunca vi cena como essa. Já vi muitos filmes antigos, de 1920, 1930, 40, 50, 60. Mas cena como essa do pau de arara nunca apareceu", disse Sylvia Caiuby Novaes, professora da USP, onde coordena o Lisa ""Laboratório de Imagem e Som em Antropologia. Ela assistiu ao filme "Arara" a convite da Folha. "Isso, por um lado, é expressão do fato de os índios, naquele momento, muito antes dos celulares com câmeras, serem filmados o tempo todo. Desde os índios de 'cartão-postal' do Xingu, na época dos Villas Bôas, passando pelos 'índios gigantes', Silvio Santos filmando na Amazônia, os índios eram objeto no nosso olhar curioso", diz ela. "Eles eram aquilo que nós não éramos mais. O retrato da nossa alteridade. Moravam na 'Mata Virgem', eram [vistos como] puros, próximos da natureza." 

Segundo a antropóloga, a cena do pau de arara demonstra a existência de uma "face muito sombria do contato entre o Estado brasileiro e os grupos indígenas". A face iluminada foram os esforços de "pacificação", encetada por iniciativa governamental e levada a cabo por homens corajosos e tantas vezes voluntaristas, como os irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas. Primeiro como empregados e depois como líderes da Expedição Roncador-Xingu, os irmãos foram a ponta de lança do plano de ocupação do território brasileiro, a Marcha para o Oeste, anunciada à meia-noite de 31 de dezembro de 1937, em discurso radiofônico proferido por Getúlio Vargas, diretamente do Palácio Guanabara. "O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste", bradou Vargas. "No século 18, de lá jorrou o caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal, com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial." 

Os irmãos Villas Bôas embrenharam-se no Brasil central com a missão assinalada pelo presidente: "Encurtar distâncias, abrir caminhos e estender fronteiras econômicas". Construíram, por exemplo, 19 pistas de pouso ao longo de 1.500 km de picadas que abriram. Isso encurtou as viagens do Rio para os EUA, que, por falta de apoio em terra, eram bem mais longas, pois tinham de margear o litoral. Os irmãos localizaram 14 povos indígenas desconhecidos. A maioria acabaria transferida para o Parque Nacional do Xingu, idealizado pelos irmãos Villas Bôas com o apoio do marechal Cândido Rondon (1865-1958), do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-97) e do sanitarista Noel Nutels (1913-73).  

O presidente Jânio Quadros, em 1961, assinou o decreto de criação do parque, garantindo uma área de 27.000 km2, quase uma Bélgica. Já sob a ditadura, virou show midiático o trabalho de atração, contato e remoção dos índios encontrados no caminho das estradas em construção. Em abril de 1973, "O Cruzeiro" estampou na capa o título "Sensacional!", seguido pela chamada: "Orlando Villas Bôas fotografou com exclusividade os ÍNDIOS GIGANTES". A foto mostrava os panará, então isolados e chamados de kreen-akarore. Além de ter suas terras invadidas por garimpeiros, estavam no meio do traçado da BR-163 ""que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Depois se viu que não se tratava de gigantes coisa nenhuma. A população (ou o que restou dela) foi removida em 1975 para o Xingu, a 250 km da terra panará. "Fizemos isso porque eles estavam morrendo por causa do contato com os brancos", disse Orlando. Doenças e massacres já haviam eliminado dois terços dos panará. 

REFORMATÓRIO A Comissão Nacional de Verdade, cujos trabalhos incluem os crimes do Estado contra os índios, tem mostrado que, além de "atrair", "pacificar" e "remover", a política indigenista do regime de 64 também conjugou os verbos "reprimir", "punir" e "torturar". Obstinado em desenvolver um sistema de controle dos índios, o criador da Grin, capitão Pinheiro, ergueu em 1969 um reformatório-presídio para índios. O Reformatório Krenak (assim chamado por ficar em terras dos krenak), em Resplendor (MG), perto da divisa com o Espírito Santo, funcionava como colônia penal e de trabalhos forçados, para "reeducar os desajustados e confinar os revoltosos que se recusavam a sair de suas terras tradicionais", explica Benedito Prezia, antropólogo e assessor do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade ligada à Igreja Católica e responsável pelas mais contundentes denúncias de desrespeito aos direitos humanos dos índios brasileiros durante o regime militar. "Aquilo era um verdadeiro campo de concentração étnico", diz o pesquisador. Nos registros oficiais consta a chegada de 94 índios ao Krenak entre 1969 e 1972, quando foram transferidos para a Fazenda Guarani, pertencente à PM de Minas Gerais, no município de Carmésia. Os motivos alegados para as prisões eram "atrito com chefe do posto indígena", "vadiagem", "uso de drogas", "embriaguez", "prostituição", "roubo", "saída da aldeia sem autorização", "relações sexuais indevidas", "pederastia", "homicídio", "agressão à mulher", "problemas mentais". Mas são registros incompletos, que não permitem que se entenda o que se passava no local. 

Para José Gabriel Silveira Corrêa, 39, professor de antropologia da Universidade Federal de Campina Grande (PB), a ditadura foi "um momento de recrudescimento das práticas de violência que eram comuns nos postos indígenas". "Ao formar a Grin e o Presídio e Reformatório Agrícola Krenak", diz Corrêa, "Pinheiro tornou sistemáticas essas práticas e ainda deu a elas uma aparência de legalidade, já que ele era o representante oficial do órgão de tutela estatal." Ele diz ter escutado diversos "relatos de aprisionamentos, trabalhos forçados, regime de prisão solitária, surras e desaparecimentos de presos". Era uma prática de violência recorrente, "mas o pior de tudo é que o capitão fez com que fosse praticada pelos próprios índios, submetidos que estavam a um regime policial". Benedito Prezia aponta o "caráter perverso" de transformar índios em "agentes colaboradores no massacre de seu próprio povo".

Mas nem nisso a ditadura foi original, ele salienta. "Relatos de jesuítas no século 17 já mencionam o uso de indígenas para capturar negros da Guiné que haviam fugido do jugo da escravidão", diz. Em tempos de "Brasil Grande", de integração nacional ("integrar para não entregar", dizia a propaganda oficial) e da construção de estradas como a Transamazônica rasgando a floresta, os índios estiveram no centro do maior projeto estratégico do regime militar. Apesar disso, curiosamente "a narrativa sobre os crimes da ditadura em relação aos direitos humanos quase nunca inclui a questão indígena", observa Marcelo Zelic. Ele arrisca uma hipótese: "No fundo, isso mostra como, mesmo nos círculos democráticos mais combativos, as populações indígenas ainda não são vistas como portadoras de direitos." 

BALANÇO Três anos depois da pomposa formatura da primeira turma da Grin, o jornalista José Queirós Campos, presidente da Funai, já tinha sido apeado do cargo e substituído pelo general Oscar Jerônimo Bandeira de Mello. Fazia-se o balanço das ações. "Tudo deu errado", cravou o jornal "O Estado de S. Paulo" em outubro de 1973, em reportagem escondida na parte inferior da página 52, perto dos classificados. Sobravam denúncias de espancamentos, arbitrariedades, insubordinação e até estupros cometidos pelos guardas que retornaram às aldeias. Na ilha do Bananal, um caboclo foi pego com quatro garrafas de cachaça (o que era proibidíssimo pela Funai). Apurou-se que foi obrigado "a praticar orgias com guardas carajás". Os jornais relataram a tortura cometida por guardas indígenas contra um pescador, também flagrado com cachaça para uso pessoal. Preso, foi obrigado a ir caminhando até a delegacia, a cinco quilômetros de distância, sob golpes de borduna. Outro agente da Grin usou o soldo que recebia para montar um bordel na aldeia. 

A situação chegou a tal ponto, ainda segundo "O Estado de S. Paulo", que o cacique carajá Arutanã, da ilha do Bananal, pediu à Força Aérea Brasileira (FAB) que extinguisse a Grin. Em 1972, sem glórias, Pinheiro já havia sido destituído da Funai. Não se formaram novas turmas. No final da década a Guarda Rural Indígena começou a ser desmobilizada. Segundo Corrêa, isso não bastaria para extinguir suas práticas de violência. "Há relatos sobre índios que, atualmente, quando precisam punir alguém, levam-no às proximidades da casa do 'capitão' indígena, amarram-no em árvores e surram-no, revivendo antigas práticas ensinadas pelo órgão tutelar".

"O reformatório e a Guarda Indígena são apenas exemplos do muito que há a investigar pela Comissão Nacional da Verdade", diz Zelic. "Outros casos já estão em levantamento, como o dos guarani-caiová, que sofreram algo que beira o genocídio nas remoções feitas durante a ditadura." E conclui: "Só assim, com a verdade, a sociedade não índia entenderá a necessidade de respeitarmos as terras e os direitos dos povos indígenas". 

 LAURA CAPRIGLIONE   domingo, 11 novembro, 2012
 http://molinacuritiba.blogspot.com.br/2012/11/como-ditadura-ensinou-tecnicas-de.html

Documento que registra extermínio de índios é resgatado após décadas desaparecido

                      Relatório Figueiredo -                          O extermínio documentado 

Relatório de mais de 7 mil páginas que relatam massacres e torturas de índios no interior do país, dado como queimado num incêndio, é encontrado intacto 45 anos depois.



A expedição percorreu mais de 16 mil quilômetros e visitou mais de 130 postos indígenas onde foram constatados inúmeros crimes e violações aos direitos humanos. O governo ignorou pedido do Relatório Figueiredo para demitir 33 agentes públicos e suspender 17
Depois de 45 anos desaparecido, um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século, o chamado Relatório Figueiredo, que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades praticadas contra indígenas no país – principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) –, ressurge quase intacto. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais.

Em uma das inúmeras passagens brutais do texto, a que o Estado de Minas teve acesso e publica na data em que se comemora o Dia do Índio, um instrumento de tortura apontado como o mais comum nos postos do SPI à época, chamado “tronco”, é descrito da seguinte maneira: “Consistia na trituração dos tornozelos das vítimas, colocadas entre duas estacas enterradas juntas em um ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente”.

Entre denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina, o texto redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia ressuscita incontáveis fantasmas e pode se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988.

A investigação, feita em 1967, em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, tendo como base comissões parlamentares de inquérito de 1962 e 1963 e denúncias posteriores de deputados, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça nos anos seguintes. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça.


Os únicos registros do relatório disponíveis até hoje eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar o que havia sido constatado por Jader e sua equipe. A entrevista teve repercussão internacional, merecendo publicação inclusive em jornais como o New York Times. No entanto, tempos depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime autoritário mais rígido.

 O vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, foi quem descobriu o conteúdo do documento até então guardado entre 50 caixas de papelada no Rio de Janeiro. Ele afirma que o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que possivelmente estão envolvidos nas denúncias da época antes de ser achado. “Já tem gente que está tentando desqualificar o relatório, acho que por um forte medo de ele aparecer, as pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, acusa.

Suplícios O contexto desenvolvimentista da época e o ímpeto por um Brasil moderno encontravam entraves nas aldeias. O documento relata que índios eram tratados como animais e sem a menor compaixão. “É espantoso que existe na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios”, lamentava Figueiredo. Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação”. Uma CPI chegou a ser instaurada em 1968, mas o país jamais julgou os algozes que ceifaram tribos inteiras e culturas milenares.

Postado em 19/04/2013 06:00 / atualizado em 19/04/2013 08:35

"Voz solitária na ditadura"

Filho se emociona ao falar do trabalho de investigação feito pelo procurador sobre massacre indígena

Ele relembra a perseguição imposta à família quando o texto foi tornado público, em pleno regime militar 


Foto incluída no Relatório Figueiredo: 15 das 68 páginas estavam em estado precário, mas foram totalmente recuperadas



“O relatório é uma bomba atômica na história recente do país. Tinha muita gente importante envolvida. Essa é uma das melhores notícias que já recebi nos últimos 40 anos”, se emociona o advogado Jader de Figueiredo Correia Júnior, ao saber que o relatório produzido por seu pai em 1968, sobre violação de direitos humanos de indígenas, foi encontrado quase intacto, depois de mais de 40 anos desaparecido. “Eu tinha certeza de que ele tinha sido queimado. Diziam na época que tinha sido proposital”, lembra o advogado, que reclama de o trabalho do pai ter sido escondido e ignorado na história do país, perpetrando as injustiças constatadas. “Era uma voz solitária na ditadura, contra o AI-5 e contra um regime que censurava a imprensa”, diz. O vice-presidente do Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, um dos principais atores na recuperação do material, concorda: “Jader de Figueiredo foi uma figura republicana superinteressante, apagada injustamente da história”.
Em 1977, uma comissão parlamentar de inquérito foi aberta na Câmara para investigar violações de direitos humanos dos índios. No ano anterior, o procurador que produziu o relatório morreu em acidente de ônibus, aos 53 anos. Perguntado se a morte do pai pode ter sido provocada por opositores, o filho considera: “Eu nunca tinha pensado nisso, eu tinha 14 anos incompletos na época. Pode ser. Meu pai morreu em um acidente que nunca foi esclarecido”.


Jader Figueiredo Júnior relembra o transtorno que a divulgação do relatório trouxe à família e diz que seu pai chegou a ser ameaçado de morte. “Ele sofreu atentados, foi perseguido por pistoleiros durante a investigação. Nossa família vivia sob segurança da Polícia Federal”, relembra. Ele destaca que o pai não era uma pessoa vaidosa e não gostava de aparecer. “Ele se indignava de pensar que seu trabalho podia ficar no ‘dito pelo não dito’. Viu muita injustiça, muita crueldade. E morreu na esperança de seu trabalho aparecer de novo, de algum jeito. Onde ele estiver agora, estará feliz”, acredita o filho.

Jader Júnior relata uma passagem que o pai costumava contar em casa, sobre uma índia que foi morta e cortada ao meio em público. Segundo ele, quando o procurador chegou à aldeia, encontrou a mulher amarrada entre duas estacas pelos pés, de cabeça para baixo, partida longitudinalmente ao meio por piques de facão. “O brasileiro costuma assistir a filmes de Hollywood onde cauboís matam índios e acha bonito. O que o americano fez com os índios foi brincadeira em relação ao que foi feito aqui. Lá foi uma matança, aqui foi genocídio. Uma coisa nazista, hitlerista. E o brasileiro não tem consciência disso. Isso é uma coisa que o mundo precisa saber”, revolta-se o filho.


A perplexidade do pai está indelével no relatório recuperado: “Os criminosos continuam impunes, tanto que o presidente dessa comissão viu um dos asseclas desse hediondo crime (assassínio de Cintas Largas, no Mato Grosso) sossegadamente vendendo picolé a crianças em uma esquina de Cuiabá (MT)”.

Catalogação

Marcelo Zelic também expressa grande alegria pela descoberta do documento. “Eu o achei inteirinho”, exclama o pesquisador, que percebeu que os papeis ilegíveis eram o famoso Relatório Figueiredo, que ficou batizado com o nome do procurador. Ele descreve que foi chamado ao Museu do Índio em agosto do ano passado para analisar documentação que estava em posse da entidade desde 2008 e havia sido catalogada em 2010. Das 62 páginas finais entregues ao ministro Albuquerque Lima pelo procurador Jader de Fiqueiredo, 15 estavam em estado precário de preservação. O ativista garante, porém, que os trabalhos desenvolvidos pelo Museu do Índio, Tortura Nunca Mais de São Paulo, Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Konoinia Presença e Serviço, Associação Juízes para a Democracia e Armazém Memória, com apoio da deputada Luíza Erundina (PSB-SP), conseguiu recuperar todas elas, que estão sendo catalogadas.

Dois dos questionamentos que o relatório pode suscitar são em relação a posse de terras – como a dos índios kadieus, em Mato Grosso – e a acusados de crimes não apurados. Em uma das páginas entregues a Albuquerque Lima, por exemplo, quatro nomes são citados como responsáveis por diversos crimes. São eles: Abílio Aristimunho, Acir Barros, Airton de França e Alan Kardec Martins Pedrosa.





Postado em 19/04/2013 06:00 / atualizado
em 19/04/2013 08:46 Felipe Canêdo

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Brasil: a dimensão geopolítica do golpe

EUA incomodaram-se com ascensão da Ásia e América do Sul. Sua reação é indispensável para compreender reviravolta no Brasil.


Quis o destino que esta conferência fosse proferida na sequência da consumação de grave ruptura na ordem democrática nacional que resultou no impeachment da Presidente Dilma Rousseff. As travessuras do fado me ajudam a situar esta traumática ruptura no contexto mais amplo das profundas e aceleradas transformações que marcam a evolução do sistema internacional neste início de século 21.

Os promotores, apoiadores e executores da ruptura consumada alegam que o processo não pode ser classificado de “golpe”, já que os ritos formais definidos pela Constituição e pelo Congresso teriam sido cumpridos, com acompanhamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o mero cumprimento de ritos não confere legitimidade democrática ao processo. A própria experiência do golpe civil-militar deflagrado no Brasil em 1964 nos mostra isso com clareza. Na madrugada de dois de abril daquele ano, cumprindo o rito previsto, o Congresso se reuniu, com o beneplácito do Supremo, para consumar o golpe ao declarar a vacância da Presidência da República, já que o Presidente João Goulart estaria fora do país. Mas essa alegação era mero pretexto: o Presidente se encontrava em território nacional. Cumprindo o rito – a partir de uma alegação infundada – o presidente legítimo e democraticamente eleito foi destituído pelo Congresso, inaugurando um regime autoritário no país que durou duas décadas.


A palavra “golpe”, em português, tem variados significados. Um desses significados é o de “artimanha”. No rito congressual do impeachment, a artimanha se materializou na de ampliação e flexibilização da definição de “crimes de responsabilidade” para abarcar as chamadas “pedaladas fiscais” – práticas administrativas e orçamentárias recorrentes em sucessivos governos federais e em outras unidades da Federação – e, em seguida, empregar seletivamente esse “conceito ampliado” para cassar um mandato conferido soberanamente pelo eleitorado. A alegação de crime se torna mero pretexto para alcançar um objetivo político. Assim como em 1964, o cumprimento de rito formal, com conteúdo deturpado, não torna a ação de afastamento da Presidente legítima.

“Golpe” também pode significar “pancada” ou “abalo” decorrente de agressão. A gravidade do atual recurso ao instituto do impeachment reside no fato dele golpear (abalar/subverter) o princípio basilar da democracia representativa: a constituição de governos com base na soberania popular, expressa no sufrágio majoritário de cidadãos/eleitores. Em regimes parlamentaristas, esse princípio convive com a possibilidade de afastamento do chefe de governo e convocação de novas eleições gerais, via voto de não-confiança no Parlamento. Em regimes presidencialistas, como o nosso, o princípio exige o reconhecimento e respeito da autoridade legitimada pelas urnas durante todo o seu mandato, cabendo às oposições tentar conquistar maioria de votos no pleito seguinte para trocar o comando do governo.

Numa democracia jovem e ainda pouco consolidada como a brasileira, o risco que corremos é o da banalização do instituto do impeachment, transformado em recurso usual da disputa política para apear governantes que tenham perdido eventual maioria congressual. Em regime presidencialista, isso estimula nas oposições (quaisquer que elas sejam) posturas de desrespeito à legitimidade do mandato conferido pela soberania popular nas urnas, minando e ameaçando a estabilidade do sistema democrático. Neste, a revogação de um mandato conferido livremente pelo povo só deve ser admitida como recurso extremo em situações excepcionalíssimas, quando a própria ordem democrática estiver sob grave ameaça. Como sabemos, não era essa a base do processo votado no Congresso Nacional.

No sentido político mais usual, “golpe” também significa a ação de um bloco de atores para apear (ou tentar apear) outro bloco do poder, à margem dos processos eleitorais que devem reger a alternância de poder em regimes democráticos. De forma geral, esta ação para a alteração não-democrática (isto é, não ancorada na soberania popular expressa no voto) da composição do poder político visa abrir caminho para uma reorientação das políticas implementadas pelo grupo destituído, reorientação esta que teria dificuldade de obter apoio majoritário em processos eleitorais regulares.

Na ruptura institucional consumada no Brasil todas estas acepções do “golpe” se encontraram e se fundiram, ainda que o processo atual não reproduza a forma das intervenções e sublevações militares que tanto marcaram a nossa história no Século 20. Mas a ruptura institucional em curso não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Por isso é importante situá-la – e os processos análogos que se verificam em outras experiências sul e centro-americanas – no contexto da transição estrutural em curso no sistema internacional neste início de Século 21.

Desenvolvimento Desigual e Ordem Mundial


A evolução das relações de poder neste início de século apontam claramente para a transição do quadro de dominação unipolar que marcou o imediato pós-Guerra Fria no final do século passado, com a intensificação de tendências à multipolarização e à instabilidade no sistema internacional, fomentadas e alimentadas pela dinâmica de desenvolvimento desigual do capitalismo. Retomo, aqui, o conceito de “desenvolvimento desigual” formulado originalmente por Lênin a partir de reflexões de Hobson e Hilferding nos debates teóricos sobre a Economia Política do Imperialismo há um século, e retomado por estudiosos atuais da Economia Política das Relações Internacionais, como Robert Gilpin.

Contrariamente à interpretação que acabou predominando nos enfoques da chamada Teoria da Dependência latino-americana nos anos 1960 e 70, inspirada por Andre Gunder Frank, o conceito de “desenvolvimento desigual” formulado no contexto do debate original sobre a natureza do imperialismo não aponta para o contínuo aprofundamento das assimetrias entre “centro” e “periferia” na economia capitalista mundial, mas precisamente para o seu contrário: a tendência estrutural à erosão do poder do centro hegemônico face à ascensão de novos polos de maior dinamismo econômico em áreas de desenvolvimento capitalista mais tardio, no próprio centro ou na periferia do sistema.

Os estudiosos realistas das relações internacionais, como Paul Kennedy e o próprio Gilpin, associam esse fenômeno aos altos custos da manutenção da hegemonia e à tendência para uma rápida difusão tecnológica para a periferia, (em função das “vantagens do atraso” identificadas por Alexander Gerschenkron, que permitiriam aos retardatários queimar etapas de desenvolvimento ao incorporar técnicas mais avançadas e eficientes). Já a abordagem que Kenneth Waltz batizou de “paradigma Hobson/Lênin” destacava o impacto dos processos de monopolização, do advento do capital financeiro e da crescente financeirização dos circuitos de acumulação nos países capitalistas centrais, levando à multiplicação de investimentos e aplicações em áreas mais “atrasadas” da economia mundial onde as taxas de lucro e de retorno eram mais elevadas. Assim, os ganhos do capital financeiro, no coração do sistema, passaram a ser cada vez mais alimentados por uma lógica rentista, uma lógica de especulação sustentada por excedentes extraídos de atividades produtivas realizadas fora do centro. Essa dinâmica levaria à decomposição do dinamismo econômico do centro e à ascensão de novos polos de maior crescimento no sistema. Estes, por sua vez, passariam a se confrontar com estruturas geopolíticas de dominação e governança internacional que não refletiriam mais a configuração geoeconômica mundial. Ou seja, a dinâmica estrutural de desenvolvimento desigual mina continuamente as bases da ordem mundial estabelecida.

A erosão do poder hegemônico relativo das potências dominantes decorrente desta dinâmica estaria, assim, na origem da instabilidade, transição e mudança de sucessivas ordens mundiais. Emprego o conceito de “ordem mundial” aqui em sentido estrito, que remete a configurações relativamente estáveis e persistentes de poder no sistema internacional moderno – e não a variadas proposições de ordenamento civilizacional geradas ao longo da história humana, como concebido por Kissinger. Pela chave teórico-conceitual que emprego, três grandes “ordens mundiais” podem ser identificadas, a grosso modo, na evolução do sistema internacional moderno desde a sua consolidação na Paz de Vestefália de 1648. A primeira é uma ordem não hegemônica regida pelo mecanismo do “balanço de poder” das grandes potências em um sistema de abrangência basicamente europeia (com ramificações coloniais em outras regiões do planeta, sobretudo nas Américas). Em meio a agudas tensões e conflitos, esta ordem se estende até a derrota militar da ameaça sistêmica representada pela França napoleônica em 1815. A ordem mundial que emerge das guerras napoleônicas preserva o mecanismo do balanço de poder no teatro europeu, mas expande as fronteiras do sistema para todo o planeta através do poder hegemônico da Inglaterra (que, impulsionada pela conquistas da Revolução Industrial, solapa e desmantela ordens civilizacionais alternativas, sobretudo na Ásia). Esta ordem, marcada pelo que Polanyi chamou de “cem anos de paz” na Europa, entra em colapso com o advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a que se segue um período de transição interrompido pela deflagração da Segunda Guerra Mundial, em 1939, período este examinado na obra clássica de E. H. Carr Vinte Anos de Crise. A nova ordem que emerge dos escombros da Segunda Guerra é de hegemonia contestada: a Guerra Fria. Por um lado, os Estados Unidos consolidam e afirmam a sua hegemonia sobre o mundo capitalista – formalizada e explicitada nos acordos de Bretton Woods -, e por outro, a União Soviética encabeça a formação de um sistema mundial socialista alternativo. Como bem observou Fred Halliday, a disputa no cerne desta ordem configurava um conflito intersistêmico, e não mera reedição do mecanismo do balanço de poder. No contexto do deslocamento das antigas potências coloniais europeias e do delicado equilíbrio alcançado no sistema de segurança coletiva da ONU na Guerra Fria, a própria forma de organização política em estados soberanos foi globalizada após sucessivas ondas de descolonização.

Como se sabe, a ordem mundial da Guerra Fria se encerrou em 1989 com a implosão do bloco soviético na Europa Central e do Leste, e subsequente desmantelamento da própria União Soviética e do sistema mundial alternativo que ela estruturava. O que se seguiu foi um período de transição no sistema internacional que perdura até hoje. A impressão inicial era de que se configuraria rapidamente uma novíssima ordem, baseada no predomínio unipolar e inconteste da potência vencedora da Guerra Fria – os Estados Unidos – no sistema e nas suas instituições multilaterais de governança global. Esta impressão se traduzia em formulações como as do “fim da História”, do advento de uma “nova ordem mundial” ou, em chave mais crítica, de uma nova forma de “Império”. A esta fase na transição, que marcou os anos ’90, logo se seguiu outra, em que ficou evidente a crescente dificuldade dos EUA gerarem convergência em torno das suas posições e interesses nos fóruns multilaterais, ao que responderam com uma crescente disposição ao recurso a ações unilaterais de força para tentar afirmar esses mesmos posicionamentos e interesses. O marco da passagem para esta nova fase foi a reação empreendida pelos Estados Unidos aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, com a decretação da “Guerra Global ao Terror” e subsequentes invasões do Afeganistão e do Iraque.

A Transição em Curso na Ordem Mundial

Entendo que as chaves teóricas apresentadas acima são fundamentais para entender a transição em curso no sistema internacional, já que os processos de globalização financeira que marcaram a evolução do capitalismo nas últimas décadas intensificaram exponencialmente tanto os mecanismos de financeirização quanto a natureza especulativa/rentista da acumulação no coração do sistema, constituindo o que Susan Strange chamava de “capitalismo de cassino”. Neste contexto, a evolução do sistema internacional no início do Século 21 é marcada pela emergência de novos polos de poder no mundo que não compunham o núcleo central do sistema internacional moderno que conquistou abrangência global no Século 19, com destaque para a China e a Índia. A China %u211 que ainda encarna a particularidade de ser um estado de orientação socialista integrado à economia capitalista mundial – mais do triplicou sua participação relativa no PIB mundial medida por Paridade de Poder de Compra (PPC) a partir da deflagração da política das “Quatro Modernizações” em 1979, sustentando médias de crescimento próximas a 10% ao ano desde então. O próprio FMI, que previra que a China ultrapassaria os Estados Unidos em participação relativa no PIB mundial (PPC) em 2016, reconhece que esta ultrapassagem foi antecipada e teria se verificado em 2014. Já a Índia quase dobrou sua participação no PIB mundial (PPC) no mesmo período, com médias anuais de crescimento superiores a 6%. Como tive oportunidade de destacar em artigo recente, com delays variados, a evolução dos indicadores que se referem a dimensões cruciais da agregação de valor na era do conhecimento – produção científica e tecnológica medida por artigos publicados em revistas indexadas; registro de patentes; participação na lista de empresas detentoras dos maiores ativos globais; entre outros – caminha na mesma direção.

Na história da economia mundial moderna, a trajetória chinesa e indiana das últimas décadas em direção ao centro do sistema a partir da sua “periferia” só tem precedentes na ascensão dos próprios Estados Unidos e da Alemanha pós-unificação no Século 19. Ambos os países – a China e a Índia – se caracterizam, ainda, por possuir as maiores populações do planeta, extensões territoriais amplas, poderio militar nuclear, além de estruturas estatais de planejamento e regulação que não sucumbiram às pressões pela liberalização financeira e cambial durante a ofensiva neoliberal global dos anos ’80 e ’90.

Há que se destacar, também, a intensificação da atuação internacional da Rússia, sobretudo a partir da eleição de Putin, procurando retomar e reconstituir esferas de influência para enfrentar a política de cerco fomentada pelos Estados Unidos com a contínua expansão da OTAN para o leste. Após o colapso econômico e social provocado pelo processo de restauração do capitalismo, a Rússia procura reconstruir instrumentos estatais de planejamento, intervenção e regulação econômica, em parte herdados do período socialista. Nesta base, conseguiu recuperar o dinamismo da sua economia após a crise financeira de 1998 e alcançar, em 2007, o patamar de atividade econômica que possuía antes do colapso do socialismo em 1991 (embora tenha sido fortemente atingida pela queda dos preços do petróleo e do gás no mercado mundial na sequência da crise econômico-financeira deflagrada em 2008). Cabe lembrar que, como herança do esforço realizado para alcançar paridade estratégica com os EUA durante a Guerra Fria, a Rússia preserva, ainda hoje, o segundo maior arsenal nuclear do mundo – e manifesta uma disposição crescente para se contrapor à ofensiva norte%u211americana sobre suas antigas áreas de influência (como fica evidente no seu crescente envolvimento na crise da Síria, frustrando e derrotando a iniciativa dos Estados Unidos para forçar, via intervenção da OTAN, a derrubada do regime de Bashar Al-Assad e o triunfo das forças oposicionistas na Guerra Civil). Neste movimento, atua abertamente como potência energética, explorando os recursos de poder conferidos por suas gigantescas reservas de petróleo e gás para integrar sua área de influência na Ásia Central e explorar a dependência energética europeia.

         Luís Fernandes - Outras Palavras

Referências:


Anderson, Perry, “Balanço do Neoliberalismo”, in E. Sader e P. Gentili (orgs.), Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995
... Carr, E. H., Vinte Anos de Crise:1919 – 1939. Brasília: Editora da UNB, 2001
... Chairman of Joint Chiefs of Staff (CJCS) of the US Armed Forces, The National Military Strategy of the United States of America 2015 – The United States Military’s Contribution to National Security – June 2015, obtido em http://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Publications/2015_National_Military_Strategy.pdf
... Fernandes, L., Garcia, A. e Cruz, P., “Desenvolvimento Desigual na Era do Conhecimento: a Participação dos BRICS na Produção Científica e Tecnológica Mundial”, Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 37, nº 1, janeiro/abril 2015
... Frank, Andre Gunder, “Development of Underdevelopment”, Monthly Review, Nova Iorque: vol. 18, nº 4, 1966
... Fukuyama, Francis, O Fim da História e o Último Homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992
... Negri, Antonio e Hardt, Michael, Império. Rio de Janeiro: Rocco, 2000
... Gerschenkron, Alexander, O Atraso Econômico em Perspectiva Histórica e Outros Ensaios. Rio de
Janeiro: Editora Contraponto, 2015
... Gilpin, Robert, A Economia Política das Relações Internacionais. Brasília: Editora da UNB, 2002
... Halliday, Fred, “O Conflito Intersistêmico: o Caso da Guerra Fria”, in F. Halliday, Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999
... Hilferding, Rudolf, O Capital Financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985
... Hobson, John, Imperialism: a Study. Nova Iorque: Cosimo, 2005
... Kennedy, Paul, Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989
... Kissinger, Henry, Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015
... Lampreia, Luiz Felipe, Diplomacia Brasileira. Rio de Janeiro: Lacerda Editora, 1999
... Lênin, Vladimir, “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, in V. I. Lênin, Obras Escolhidas – Tomo 2. Lisboa: Edições “Avante!”, 1984
... Strange, Susan, Casino Capitalism. Manchester: Manchester University Press, 2015
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Waltz, Kenneth, The Theory of International Politics. Long Grove: Waveland Press, 2010
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Weber, Max, “A Política como Vocação”, in M. Weber, Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora, 1982
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WikiLeaks – Public Library of US Diplomacy, “Brazil: Illicit Finance Conference Uses the ‘T” Word,
Successfully”, Date: 2009 October 30 20:18 (Friday), Canonical ID: 09BRASILIA1282_a, obtido em https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html; e “Can the Oil Industry Beat Back the
Pre-Salt Law?”, Date: 2009 December 2 21:12 (Wednesday), Canonical ID: 09RIODEJANEIRO369_a. obtido em https://wikileaks.org/plusd/cables/09RIODEJANEIRO369_a.html
...
* Este texto, que Outras Palavras publica em três capítulos, corresponde à aula inaugural proferida no
IESP/UERJ em 5 de setembro de 2016. O trabalho intitula-se, originalmente, “Da Transição na Ordem Mundial à Ruptura na Ordem Democrática Nacional”. A responsabilidade pela divisão em três capítulos, e por seus novos títulos, é de nossa edição.