João Jorge e Jacobina Maurer

João Jorge e Jacobina Maurer

I m A g E m

I m A g E m
O Velho do Espelho

"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
quem é esse que me olha e é
tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus,Meu Deus...Parece meu velho pai -
que já morreu"! (Mario Quintana)

P E S Q U I S A

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O pescador de arenques

O pescador de arenques é um romance histórico que conta a saga dos imigrantes pomeranos desde a sua antiga terra até chegar ao Brasil, em especial a São Lourenço do Sul. O município era, na época (metade do século 19), a mais isolada e austral das colônias alemãs do País.Por meio do protagonista Peter Kampke, um intrépido pescador do mar Báltico, o leitor é levado a testemunhar a seqüência de episódios responsáveis pela formação de um povo na história brasileira.




A obra trata-se de um romance histórico inédito que narra a épica passagem dos pomeranos pela Europa, Estados Unidos da América e Brasil. O pescador de arenques, com 242 páginas, é uma obra escrita pelo historiador Jairo Scholl Costa e foi editada pela Editora da Universidade Católica de Pelotas (Educat).



O livro é o primeiro épico no Brasil a contemplar a história do povo alemão da Metade Sul do Estado. Devido ao recente lançamento, o livro ainda não está disponível na Capital, Pelotas e outros centros. Por enquanto, a aquisição só pode ser feita pelo contato direto com o autor (por meio do e-mail jaustral19 @hotmail.com) ou nas livrarias Laguna e Livros & Companhia, ambas de São Lourenço.

Casa de Jacob Rheingantz será recuperada e transformada em museu


 São Lourenço do Sul - A Prefeitura de São Lourenço do Sul, RS, vai recuperar a Casa do Colono, prédio que pertenceu ao prussiano Jacob Rheingantz e serviu de moradia aos primeiros imigrantes alemães-pomeranos a se instalarem no Município, há 150 anos. O espaço, depois de reciclado, será transformado no Museu da Colonização Alemã-Pomerana, cujo Sesquicentenário está sendo comemorado este ano.

Nesta sexta-feira (18), às 17h, durante o ato de lançamento oficial do Sesquicentenário da Colonização Alemã-Pomerana, na localidade de Coxilha do Barão, acontecerá a assinatura de contrato para o desenvolvimento do Projeto. Na mesma oportunidade, o prefeito José Nunes irá sancionar o Projeto de Lei 105/07, denominando o Terminal Rodoviário como José Antônio de Oliveira Guimarães. Em 1850, Guimarães doou parte da Fazenda São Lourenço, situada na margem esquerda do rio, para uma nova povoação e, em 1858, firmou contrato comercial com o prussiano Jacob Rheingantz, iniciando-se, então, a colonização alemã-pomerana na região.

Localizada em Picada Moinhos, na Coxilha do Barão, interior de São Lourenço do Sul, a casa que pertenceu a Jacob Rheingantz preserva as características arquitetônicas da segunda metade do século 19. O projeto técnico de reciclagem e modernização será desenvolvido pela Fundação Simon Bolivar e encaminhado ao Governo Federal, para a obtenção de benefícios da Lei Rouanet junto à iniciativa privada.



Além de reformar e recuperar a edificação, mantendo as características originais, a criação do Museu da Colonização preservará a memória histórica dos imigrantes, cultura, costumes e trajetória ao longo dos séculos. Uma campanha junto à comunidade lourenciana recuperará objetos, utensílios e vestimentas que pertenceram aos colonizadores.

“O museu vai revitalizar uma área de valor histórico para São Lourenço do Sul e será um novo atrativo do Caminho Pomerano, o que representa a diversificação do turismo rural no Município”, explica o secretário do Turismo, Indústria e Comércio e presidente da Agência de Desenvolvimento do Turismo na Costa Doce, Zelmute Oliveira.
A proposta da comissão organizadora do Sesquicentenário é que o museu seja gerenciado com participação da sociedade civil através de uma Fundação, a ser criada. A Prefeitura realizará seleção, através de concurso público, para a contratação de museólogo.

Valor Histórico - Construído por volta de 1860, a casa foi erguida e serviu de moradia a Jacob Rheigantz, fundador da Colônia de São Lourenço em 18 de janeiro de 1858. Embrião do Município e centro inicial da presença pomerana e alemã na região, a colônia permaneceu privada até ser emancipada e transformada em Município. Em 1877, ano da morte de Rheigantz, a colônia já tinha um total de 52 mil hectares e mais de 6 mil moradores entre imigrantes e descendentes.
Projeto - A equipe técnica responsável pela elaboração do projeto é composta por três arquitetos, um engenheiro, dois estagiários e uma consultora de restauro. O trabalho engloba pesquisa histórica com levantamento de documentação sobre o edifício e a comunidade local, levantamento fotográfico e arquitetônico, mapeamento de danos, diagnóstico do prédio, projeto de recuperação da edificação e do futuro museu. A estimativa é de que esteja concluído em 45 dias. (Agência de Notícias BrasilAlemanha/Neues)




FONTE:

Site http://www.vivasaoleo.com.br/ 17/01/2008 16h50min.

Cultura perde Martins Livreiro



 Porto Alegre, 27 de janeiro de 2008.
O corpo de Manoel dos Santos Martins Livreiro, proprietário da tradicional livraria e Editora Martins Livreiro, foi sepultado no sábado no Cemitério João XXIII, em Porto Alegre. Ele faleceu aos 81 anos em conseqüência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), após uma internação desde 24 de dezembro passado no Hospital Mãe de Deus.
Livreiro desde 1953, fundou a primeira livraria ambulante do RS, percorrendo o Estado em um caminhão. Comercializava livros usados, esgotados e raros. Na década de 80 começou a editar, lançando cerca de 700 títulos em 800 edições de obras diretamente ligadas ao Rio Grande do Sul, numa trajetória sempre a serviço da cultura rio-grandense.
Entre os vários prêmios recebidos, Martins Livreiro, como era conhecido, foi condecorado com a Comenda Simões Lopes Neto, do governo Amaral de Souza (1982); Cidadão Emérito de Porto Alegre (1987); patrono da III Feira do Livro de Cachoeira do Sul (1987), cidade que o homenageou com o Diploma Patrimônio Histórico Cultural da Prefeitura de Cachoeira do Sul (1993) e o samba- enredo do Carvanal de 1995 ‘Martins Livreiro no Universo da Cultura’. Recebeu, ainda, prêmios como o Livreiro Mais Antigo, o troféu Homem Talento RS e o troféu Literatura Gaúcha – MTG (2005).
Sócio benemérito da Academia Rio-Grandense de Letras, receberia o prêmio Imortais, da Casa dos Açores do RS, no próximo 23 de fevereiro. A distinção é concedida em vida às pessoas que realizaram trabalho de destaque na área cultural do RS.


Publicado na Página do Gaúcho, no site 
www.paginadogaucho.com.br


sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

08. Duelo


Seus pés afundaram
em terreno pantanoso,
e o equilíbrio difícil
deixaram-no, ainda mais, receoso.

Tudo escuro ao redor
mas ele sabia
que não estava só,
brilhavam na escuridão
os olhos da criatura,
uma fêmea, fera leonina...

Sentia o cheiro dela,
ouvia sua respiração,
pressentia o ataque
e sabia de sua determinação.




Como todo ariano,
era um sobrevivente,
que lutou dia após dia
sem nunca desistir,
mas poderia um carneiro
- mesmo com valentia -
a um leão resistir?
Sentia o perigo
e então se preparou
sentiu o calor da fêmea
quando ela atacou.
Viu seu olhos faiscarem
por baixo dos pelos negros,
ouviu seu grito de ataque
e seu corpo se arrepiou.
Os corpos dos dois se chocaram
e tombaram no chão,
presos e sem respiração,
sentiu as unhas da fera
cravarem nas suas costas
e prenderem suas pernas,
segurou-a então com força
num abraço mortal.

Mordendo e sendo mordido
sentiu o cheiro do suor e sangue
espalhando-se no ar,
pêlos e cabelos se confundiam,
conflito de terra e mar,
sentiu sua alma sugada
sentiu sua vida findar...





Sem poder mais resistir
segurou firme sua lança
e a fera estocou.
Manteve a lança cravada
penetrando o corpo da fera
e olhando nos olhos dela
ouviu seus gemidos e gritos.
Pouco depois
a fera saciada
agradecia baixinho
a graça de viver
enquanto ele, feliz,
morria de prazer.

Autor: Gilnei Andrade

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Expedições e Crônicas das Origens

                                 Santa Catarina na Era dos Descobrimentos Geográficos (1501-1600)

Canibalismo, histórias de piratas, de conquistas de terras tão exóticas como hostis e uma fauna e flora descritas entre o real e o mítico. Este é o ambiente em que personagens históricos se movimentam na obra do pesquisador brasileiro Amílcar D'Avila de Mello, Expedições e Crônicas das Origens – Santa Catarina na Era dos Descobrimentos Geográficos (1501-1600) lançado em outubro de 2005 pela editora Expressão.

O livro, dividido em três volumes em capa dura e generosamente ilustrado com mapas, óleos, gravuras e fotografias, é fruto de quase quinze anos de pesquisa entre Brasil, Espanha, Inglaterra, EUA e países da Bacia do Prata. Nos dois primeiros volumes, o escritor aborda as expedições em terras e águas do Sul do Brasil ao longo do século XVI e, o terceiro volume – articulado em uma espécie de antologia – abriga informações de mais de 50 cosmógrafos, religiosos, capitães de navios e outros personagens que escreveram sobre a região naquele período. Argumentando que é impossível escrever a história da Santa Catarina quinhentista sem situá-la no conceito mais amplo da exploração, conquista e colonização européias da Bacia do Rio da Prata, Amílcar afirma que "contar a história do primeiro século da presença européia nestas latitudes é, principalmente, trazer à luz a gesta dos espanhóis em nossa terra".



 O historiador explica porque ainda não se contou, em detalhes, a história de Santa Catarina vinculada à América espanhola: "Há pouco mais de um século, as fronteiras meridionais da nação eram disputadas a 'espada e a pata de cavalo', como ainda costumam dizer os descendentes dos guerreiros que ajudaram a desenhar o mapa do País. É compreensível, pois, o ranço ufanista dos diplomatas e intelectuais brasileiros do passado que, defendendo interesses geopolíticos, privaram os catarinenses de mais de um século de sua história colonial 'varrendo-a para debaixo do tapete'".


Não é por acaso que a imensa maioria das expedições e dos cronistas compilados pelo autor são espanhóis, como Martín Fernández de Enciso, Luis Ramírez, Alonso de Santa Cruz, Alvar Núñez Cabeza de Vaca, Martín del Barco Centenera e outros que, como eles, escreveram sobre as conquistas no Novo Mundo. Como descreve Amílcar no primeiro volume de Expedições, muitos destes cronistas se encontravam "em condições extremas, sob a constante ameaça de ataques indígenas, de doenças ou ferozes onças que não poupavam conquistadores nem conquistados". A partir de relatos extraídos de cartas pessoais, oficiais e documentos do aparato burocrático da Coroa Espanhola, o pesquisador reconstituiu o cotidiano quinhentista tanto pela ótica européia como pela dos conquistados.Fiel ao espírito da época, Amílcar lembra que, diferente do que se costuma acreditar, os exploradores estavam longe de meros aventureiros. "Trata-se dos astronautas daquele tempo", reitera o escritor, destacando a importância e juventude dos membros das expedições.
Também o papel da Espanha daquela época, como uma potência mundial, fica claro em capítulos como "A Coroa do Rei da Espanha é a Órbita do Sol", no segundo volume da obra que tem mais de 1500 páginas.


A publicação desta primeira edição do livro pela Editora Expressão(1.500 exemplares), com documentos e informações inéditas que dão nova luz às pesquisas sobre aquele período, foi possível através do patrocínio da estatal brasileira Petrobras, e não estará disponível comercialmente. Entretanto, ciente da lacuna que as informações ali contidas vão preencher na narrativa histórica dos descobrimentos, Amílcar Mello organizou este trabalho de forma a poder publicá-lo em até cinco ou mais volumes. Assim, acredita o autor, Expedições e Crônicas, numa próxima edição diluída em livros menores, poderá ser também acessível a um público leitor maior que, sem dúvida, pretende atingir.



O texto fluído que prende mesmo o leigo pela narrativa ágil e riqueza de informações é mais um atrativo forte da obra de Amílcar Mello para o mercado editorial convencional. Mas a importância do livro extrapola em muito seu seguro sucesso comercial. Para o autor, "crônicas como estas não se limitam a descrever as peripécias vividas pelos recém-chegados em um continente onde praticamente tudo era surpresa. Eles conviviam com histórias de habitantes de um mundo que, para eles, passou a 'existir' de uma hora para outra".

Sobre o autor:
Natural da fronteira de Sant'Ana do Livramento, Brasil, e Rivera, Uruguai, Amílcar D'Avila de Mello vive na Lagoa da Conceição, ilha de Santa Catarina. Historiador com especialização em etnolingüística, exerce a profissão de tradutor e intérprete simultâneo nos idiomas inglês, espanhol e português. Na ONG PAS – Projeto de Arqueologia Subaquática –, coopera como pesquisador e coordenador de parcerias internacionais. Explorador moderno, Amílcar percorre transversalmente, à margem da academia, áreas ainda pouco trilhadas por estudos tradicionais.



Ficha técnica: ISBN 8587887025 1ª edição 623 p. 28,5x23cm
Data da edição: 2005 Editora:Expressão

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Olhar vasto sobre o Sul

 




Enciclopédia organizada pela UPF e pela UERGS oferece um inédito panorama histórico do Estado, com abertura a opiniões discordantes e ambição de renovar a historiografia gaúcha. Os livros Colônia, com 368 páginas de textos inéditos e imagens raras, e Império, com 600 páginas igualmente tomadas de pesquisas, mapas, reproduções de pinturas, desenhos e fotos, saíram da gráfica na manhã da última quarta-feira. 
Com eles, o Rio Grande do Sul tem aberta sua maior obra histórica, seu panorama histórico mais abrangente - a maior empreitada cooperativa da interpretação de como se formou o Sul do Brasil. Marco editorial, sinalização de um movimento historiográfico, a coleção História Geral do Rio Grande do Sul surge no vazio. Não existia no passado recente nada parecido, com uma envergadura assim.
A iniciativa de remediar essa carência partiu do Mestrado em História da Universidade de Passo Fundo e da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. A série terá cinco tomos: por enquanto Colônia (séculos XVII e XVIII) e Império (século XIX) e, no ano que vem, República 1889-1930, República 1930-1985 e Povos Indígenas.


A equipe que tocou o projeto foi formada em 2003. À frente, na coordenação geral, Tau Golin, professor da UPF, e Nelson Boeira, reitor da UERGS. Mais de cem historiadores foram se integrando ao grupo: professores de departamentos de História de todo o Estado e de fora, especialistas ligados a instituições não-universitárias, pensadores das mais diferentes orientações teóricas, tanto historiadores consagrados quanto jovens pesquisadores mal saídos do doutorado. 
Os colaboradores tiveram seus artigos submetidos a um conselho editorial e a diretores específicos de cada volume. O único critério para a seleção dos trabalhos: competência acadêmica e conhecimento do assunto. O todo é uma ação intelectual sem doutrina, ineditamente aberta a discordâncias entre autores, uma formulação que não quer um ponto de vista único sobre o Rio Grande. A enciclopédia não cobre e nem pretende cobrir todos os temas possíveis, mas se ocupa de temas de que a historiografia tradicional não se ocupa, como a produção artística das épocas. Temas clássicos recebem abordagens novas, a partir de documentações até então ignoradas.

Novas versões da nossa História

Colônia e Império, os dois primeiros volumes da coleção História Geral do Rio Grande do Sul, estão cheios de olhares que não se encontram na chamada historiografia tradicional gaúcha. Os novos olhares procuram ver o Rio Grande menos como um lugar fechado e que se basta sozinho e mais como um lugar que diz respeito ao que são o Brasil e a Região Platina.
No artigo Estrutura Agrária e Ocupacional, o capítulo VII de Colônia, Helen Osório, professora da UFRGS, observa que o senso comum cristalizou a paisagem agrária do Rio Grande do Sul no período colonial como um espaço de "vastas campanhas, imensos rebanhos, poucos homens". Uma visão baseada em relatos de viajantes - de portugueses, espanhóis e franceses habituados a outras paisagens. Usar outras fontes históricas, como censos de população e de terras, processos judiciais, inventários de heranças, diz Helen Osório, revela uma sociedade que não se limitava a estancieiros e peões livres e ao domínio da charqueada.
A professora aponta que, ao contrário do que está dito nas Histórias tradicionais, não havia um exclusivismo da pecuária. Na década de 1780, os lavradores suplantavam em número os criadores de gado. Então, 65% dessa população praticava agricultura em maior ou menor grau - "uma proporção ignorada pela historiografia tradicional", como indica Helen Osório. A paisagem agrária da Capitania combinava plantações de alimentos (muito trigo e mandioca) e criação de animais, uma combinação semelhante ao que ocorria na Campanha de Buenos Aires e na Colônia de Sacramento - e que "uma nova historiografia argentina vem revelando".





O continente, aqui, tinha 19 freguesias e distritos: Vacaria, Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio, Porto Alegre, Viamão, Lombas, Nossa Senhora dos Anjos, Caí, Triunfo, Santo Amaro, Taquari, Rio Pardo, Cachoeira, Encruzilhada, Povo Novo, Cerro Pelado, Rio Grande, Estreito e Mostardas. Em apenas dois o censo não registrou lavradores: Cerro Pelado e Encruzilhada. A posse de escravos estava disseminada por toda a população livre desde o início da colonização portuguesa, em todas as atividades rurais, mesmo na pecuária. Domingos Gomes Ribeiro, morto em 1764, tinha 7.200 cabeças de gado e 49 escravos. Helen Osório fala do senso comum cristalizado pelos relatos dos viajantes. 
No capítulo XIV de Colônia, Da Terra de Ninguém à Terra de Muitos: Olhares Viajantes e Imagens Fundadoras, Eliane Cristina Deckmann Fleck, pesquisadora da Unisinos, salienta que a literatura de viagem, na condição de fonte historiográfica, deve ser lida como uma reinvenção da realidade, como uma visão de mundo de alguém que escreve pensando em outro mundo, como "a transformação historiográfica de uma memória". 

Os olhares dos viajantes ergueram imagens fundadoras do Rio Grande do Sul. 

A fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Estado, em 1922, lembra Eliane Fleck, consolidou a nossa historiografia tradicional, "tributária, em grande medida, dos relatos inaugurais produzidos pelos cronistas do período colonial". Os relatos de missionários, demarcadores, cientistas e autoridades administrativas do período forjaram o sonho de uma sociedade desde sempre democrática. Escreve Eliane Fleck: "A rusticidade e a frugalidade da vida senhorial, ao lado da hospitalidade, da camaradagem e fraternidade das relações interpessoais acabaram por determinar essa visão idealizada que ressalta o igualitarismo, a ausência de hierarquia, de privilégios e de privilegiados". 
É importante ter em mente o teor propagandístico desses relatos, a retórica utilitarista, a vontade de aplicar uma civilização européia no território bárbaro. Eliane Fleck afirma que chega a ser monótono que os documentos da época peçam o tempo inteiro remessas de casais para o povoamento do Sul. Citado por Guilhermino César em Primeiros Cronistas do Rio Grande do Sul (1969), André Ribeiro Coutinho, segundo governador do Rio Grande, garantiu em 1737 uma "terra dos muitos" a quem viesse ocupar o chão.


Catedral Metropolitana e Palácio do Governo em Porto Alegre - RS

Em Os Primeiros Pintores: Presenças Desapercebidas, Ausências Sentidas, que é o capítulo XVIII de Império, Neiva Maria Fonseca Bohns, professora de História da Arte da Universidade Federal de Pelotas, comenta, entre outros olhares, um olhar de Pedro Weingärtner. Nascido em Porto Alegre, de uma família de desenhistas e litógrafos, estabelecido para estudos na Alemanha e radicado na Itália, o artista compôs em 1898 a tela Tempora Mutantur. Executou a tela em seu ateliê em Roma, a partir de anotações tomadas em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Não escolheu personagens notórios da história brasileira recente. Escolheu, como faziam os pintores realistas europeus daqueles anos, uma cena com trabalhadores no campo.

Tempora Mutantur - Pedro Weingärtner
Exaustos, os dois personagens da tela fazem uma pausa no trabalho de preparar a terra bruta. Há árvores recém-abatidas a alguns passos deles. O homem e a mulher, transplantados da Europa, estão escorados em seus instrumentos. A mulher aparentemente machucou a palma da mão esquerda. Neiva Bohns diz que "parece pairar a dúvida sobre continuar ou desistir", e que o olhar evidente é: a semente de uma promissora economia agrícola "dependia da força e da coragem desses pioneiros". No meio de "uma natureza ainda exuberante de um país de recursos aparentemente inesgotáveis", o homem e a mulher lutam por um ambiente "culturalmente propício à sobrevivência".
Tempora Mutantur foi exposta em Porto Alegre em junho de 1899 e teve boa repercussão. Borges de Medeiros, presidente do Estado, comprou a tela para o Palácio do Governo, na primeira demonstração do poder republicano, aqui, de interesse por artes plásticas. Escreve Neiva Bohns: "Para um governo empenhado em consolidar as bases simbólicas de uma tradição regional, era vantajoso o incentivo da produção de imagens capazes de narrar as façanhas que colaboraram para a constituição do imaginário do povo gaúcho".


Jornalista RODRIGO BREUNIG

Coleção "História Geral do RGS" no Caderno Cultura
Publicado no Caderno Cultura - Jornal Zero Hora - 04-11-2006

domingo, 20 de janeiro de 2008

Missões jesuíticas


Ruínas na região de Sete Povos das Missões, uma das principais comunidades jesuíticas do sul do país e que foi destruída, em meados do século XVIII, pelas forças espanholas e portuguesas


A experiência de catequese das missões jesuíticas, com a visão inicial de inocência dos indígenas e do correspondente otimismo quanto à facilidade de lhes inculcar o credo, chegou até a convicção de que, diante da resistência do nativo em abandonar seus "vícios"(poligamia, nudez, canibalismo etc), a via mais eficiente para legitimar a autoridade dos colonizadores seria o consentimento gerado pelo medo.

Como explicou sutilmente São Tomás de Aquino (lição bem compreendida e aplicada por Nóbrega e Anchieta no Brasil), o medo não se confunde com coerção, pois esta comprometeria a conversão, que não pode ser forçada, já que depende de graça divina. Chegou-se assim à conclusão de que para tornar os índios mais propensos a adotar a fé cristã cumpria pô-los diante de um dilema:subordinar-se "voluntariamente" à ordem colonial agrupando-os em aldeias tuteladas pelos padres, ou encarar a perspectiva de serem caçados e escravizados pelos colonos. Nos dois casos teriam de renunciar à própria identidade cultural.

Recomendação do dia: O filme "A Missão" relata o conflito de interesses entre os colonizadores em busca do enriquecimento em contraponto com o papel dos jesuítas que queriam as reduções longe dos centros povoados, onde eles mesmos teriam o controle espiritual e temporal.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Álvar Núñez Cabeza de Vaca

 
Álvar Núñez Cabeza de Vaca, conquistador espanhol do século XVI, naufragou ao largo da costa do atual estado do Texas em 1528. Juntamente com alguns companheiros de viagem, viveu os seis anos seguintes entre os índios dessa região, adotando uma boa parte dos seus modos de vida. Tendo granjeado reconhecimento entre as populações, desempenha uma função de comerciante, deslocando-se da costa para o interior, e vice-versa. Mais ainda, os índios convencem-se dos seus poderes curativos e Cabeza de Vaca, não mais do que à custa de uma mistura de ritos tradicionais indígenas e Pais Nossos e Aves Marias, como ele mesmo refere, passa assim a exercer a função de xamã.
Movido pela vontade de encontrar os seus, e depois de uma quase inacreditavelmente longa caminhada de dois anos, alcança as terras do México, onde a conquista espanhola segue em ritmo elevado. Finalmente, o desejo de reencontrar os seus compatriotas e a possibilidade de voltar a pisar solo espanhol são uma realidade. Ainda regressará às Américas, não só como explorador, mas também como governador do Vice-Reino de Rio de La Plata. Aí incompatibiliza-se com os abusos cometidos sobre os índios e acaba destituído das suas funções.
A interessante história deste homem excede as peripécias das suas viagens. Cabeza de Vaca é um dos conquistadores espanhóis que decide relatar para a posteridade a sua visão das conquistas. É nesse campo que se torna mais notável. Natural de Espanha, acaba por encontrar e viver durante um largo período numa cultura completamente estranha ao mundo que até aí conheceu. Apesar do nível de integração cultural que alcança, nunca esquece a sua terra natal nem o desejo de a rever. Nos relatos sobre esses agitados anos, a utilização do "nós" vai balançando entre o lado dos espanhóis e o lado dos índios. Até que, por fim, o indeciso "nós" acaba substituído por um "eles" comum a ambos os lados.
Tendo vivido as duas culturas, não renegando explicitamente nenhuma delas, é como se Cabeza de Vaca, de forma paradoxal – ou talvez não –, deixasse de se conseguir incluir nos dois mundos que retrata. Para ele, perante a experiência da alteridade, só resta a exterioridade.